The Year's Best Science Fiction, nº 16
editado por Gardner Dozois
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 22.10.2006
Já o disse várias vezes em várias ocasiões, mas repito-o aqui: seria óptimo que houvesse nos países de língua portuguesa edição de ficção científica em quantidade e qualidade suficiente para se poder compilar um volume anual com os melhores trabalhos que tivesse um quarto do tamanho destas antologias reunidas por Gardner Dozois.
Mas quando a edição de ficção científica em Portugal e no Brasil (pois não há, que se saiba, absolutamente nenhuma edição de FC nos outros países lusófonos) se resume a uns 10 contos de qualidade igual ou superior ao razoável por ano, em média, e com enormes variações (em quantidade e qualidade) de ano para ano, esse óptimo é inatingível.
Nos países de língua inglesa, as coisas são bem melhores. Entre todos, a edição anual de ficção curta de FC, ainda que tenha estado em queda nos últimos anos devido à predilecção do mercado por gigantescas séries de romances com mil páginas por parte, é ainda assim de milhares de contos, noveletas e novelas, e a qualidade é suficiente para que Dozois não só consiga, ano após ano, compilar generosos volumes com cerca de 600 páginas, mas também logre encher 6 dessas páginas com uma longa lista de "menções honrosas", isto é, contos que na sua avaliação merecem destaque.
Quanto às outras páginas deste volume, são ocupadas por uma longa análise da edição de FC em 1998 e por 24 ficções de outros tantos autores.
Quase todas estas histórias têm uma qualidade muito alta, mas inevitavelmente há algumas que se destacam das outras. São elas:
Oceanic, de Greg Egan. Trata-se de uma magnífica história de crescimento e descoberta que tem lugar num mundo oceânico (com algumas ilhas) chamado Covenant, habitado por descendentes de seres humanos provenientes da Terra, modificados de formas subtis.
Approaching Perimelasma, de Geoffrey A. Landis. Uma história de ficção científica hard muito bem conseguida, que lida com a física relativística das proximidades de um buraco negro e com a natureza do tempo e do espaço.
Taklamakan, de Bruce Sterling. Uma noveleta absolutamente genial sobre a descoberta no deserto de Taklamakan, no interior de uma caverna criada por uma explosão nuclear subterrânea, de um degradado conjunto de três habitats cheios (ou nem por isso) de um segredo cuja descoberta é metade do interesse da história. Um conto brilhante e perturbador que mexe com a manipulação de massas e os efeitos do confinamento em sociedades pequenas.
Sea Change, With Monsters, de Paul J. McAuley. Uma novela passada em Europa, a lua de Júpiter, protagonizada por uma caçadora da estranha fauna habitante do oceano daquele satélite.
The Days of Solomon Gursky, de Ian McDonald. Uma novela monumental, em círculo, que segue a vida aparentemente eterna de Solomon Gursky por um vasto espaço e um não menos vasto espaço de tempo.
The Cuckoo's Boys, de Robert Reed. Outra história magnífica acerca das consequências de um acto de terrorismo genético que semeou pelo mundo centenas de clones do terrorista.
The Very Pulse of the Machine, de Michael Swanwick. Um conto de naufrágio espacial, passado em Io, onde a luta pela sobrevivência tem resultados inesperados.
Saddlepoint: Roughneck, de Stephen Baxter. Uma novela passada na Lua e protagonizada por um visionário que não pára perante nada para pôr em prática a sua visão, mesmo que isso signifique a destruição de uma estranha forma de vida.
Down in the Dark, de William Barton. Uma noveleta melancólica passada em Titã, num tempo em que a loucura humana destruiu a Terra e os últimos representantes da espécie se agarram à vida, sem esperança, espalhados por alguns dos outros planetas e satélites do Sistema Solar. E é esse o momento em que uma enorme descoberta acontece.
Estas nove histórias foram aquelas que atingiram um patamar mais elevado na minha avaliação, aquele patamar em que se conjuga a qualidade intrínseca das histórias com a satisfação mais profunda do gosto pessoal. Outras histórias deste livro são igualmente boas (não há nenhuma que não o seja), quer em termos literários propriamente ditos, quer em termos de satisfação dos parâmetros da boa ficção científica, mas não deixaram neste leitor em concreto uma sensação de satisfação tão completa como as mencionadas acima. Podia destacar as duas que me pareceram literariamente mais fortes: Grist, de Tony Daniel, e The Summer Isles, de Ian R. MacLeod. Mas pouco importa, porque esta antologia é, a todos os títulos, excelente, e todos os leitores que gostam de ficção científica poderão encontrar aqui algo que lhes encha verdadeiramente as medidas.
★★★★★
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