José Saramago desaparece de Lanzarote, deixando no seu lugar apenas mistério e um pequeno texto que ninguém acredita que seja verdadeiro. Mas e se fosse?
O Autor fala sobre a obra
José Saramago, depois de ter ganho o Nobel, viu-se envolvido ainda mais do que já era hábito numa ciranda constante de palestras, sessões de autógrafos e demais aparições públicas em que se via obrigado a botar discurso. Isto coincidiu mais ou menos com o momento em que a sonda Mars Pathfinder, da NASA, chegava a Marte e começava a presentear-nos com um fluxo constante de magníficas paisagens simultaneamente alienígenas e tão familiares.
Saramago insurgiu-se contra, e fê-lo reiteradamente, a cada aparição pública. Que não era compreensível, que não era ético, que era uma monstruosidade, dizia ele, gastar-se todo aquele dinheiro para colocar um robot em Marte quando na Terra havia crianças a morrer de fome.
Eu, que assisti ao vivo e em directo a uma destas tiradas, arrepiei-me. Não por achar justo que crianças morram de fome enquanto se gastam milhões em coisas acessórias, mas porque Saramago elegeu como alvo a busca do conhecimento enquanto deixava passar em claro as somas imensamente maiores atiradas pela janela em gastos militares, ou em indústrias perfeitamente supérfluas, como a da moda ou boa parte das indústrias de entretenimento. É que a busca do conhecimento nunca é fútil e, como foi já provado inúmeras vezes, a ciência aparentemente mais inútil pode, anos mais tarde, vir a dar origem a indústrias multimilionárias e fundamentais.
O Sputnik tinha apenas valor de propaganda. Hoje não podemos passar sem os satélites...
Foi por isso, e porque sou há muitos anos admirador do Saramago, que escrevi este conto. Tentei pôr-me no lugar dele e procurei descobrir como reagiria se lhe fossem mostradas as consequências para a espécie humana de voltar as costas à ciência mesmo que o pretexto tenha a nobreza de procurar uma cura para a fome e as injustiças sociais.
O deus ex machina é aqui deliberado e inevitável. Não procurei escrever um grande conto de ficção científica. Procurei apenas fazer pensar quem o lesse. Ficaria feliz se o próprio Saramago fosse uma destas pessoas.
Também ficaria feliz se através da minha escrita vocês, os leitores, conseguissem vislumbrar a do Saramago. Mas mesmo que não tenha conseguido nada daquilo a que me propus acima, já me contentaria em proporcionar-vos uns momentos divertidos a identificar as referências que fui deixando ao longo do texto a alguns dos títulos dos livros do nosso escritor mais consagrado.
Gosto de pensar neste texto como uma homenagem. Ainda que por vezes não pareça sê-lo.
Jorge Candeias, Novembro de 2001