O Limite de Rudzky
por António de Macedo
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 25.08.2003
O Limite de Rudzky é uma colectânea de três peças, uma novela, uma noveleta e um conto, todas elas inteiramente coerentes com o estilo habitual de António de Macedo, ou seja, com pouco ou nada a ver com ficção científica.
A primeira dessas peças é a mais curta e, simultaneamente, a que dá nome ao livro. O Limite de Rudzky, o conto, é uma historieta epistológica, na qual, através de cartas-relatório enviadas por um enviado à Terra ao seu "Mestre", se vai dando a conhecer o modo como cientistas portugueses vão descobrindo, com grande rapidez e eficiência (típica dos cientistas portugueses, e dos portugueses em geral, como se sabe), que a ciência moderna não passa duma ilusão e que o mundo, na realidade, é regido por... anjos e demónios. Sim, leram bem, anjos e demónios. Segundo os "cientistas portugueses" (e que retrato tão deprimente da ciência portuguesa, este que é aqui feito — chega a ser insultuoso, não por ser verdadeiro, mas sim por ser profundamente anti-científico), a gravidade não é mais do que milhares de demónios, malandros deles, que agarram nas coisas, não as deixando seguir o seu caminho natural, que é subir até aos céus, ainda que os anjos se esforcem por puxar por elas. Ah, pois! Nós é que sabemos!
Na segunda história, a noveleta A Noiva Vestida de Nuvens, é descrita a forma como um homem desaparece da nossa realidade, resgatado por uma tal "noiva vestida de nuvens", que não é mais do que a princesa de Khâlom, a Cidade-Sonho (e quem conhece a filmografia de António de Macedo já encontrou este nome antes, no inenarrável filme Os Emissários de Khâlom). Ou, melhor dizendo, é descrita a forma como os que o rodeiam discutem o que aconteceu ao tal homem, chamado Rogério Dias Lourenço, em longos diálogos repletos de tiradas tonitruantes. Toda a gente fala assim em Portugal, como se sabe.
A novela Perpetuamente Perpétua destoa um pouco do resto e é, de longe, a melhor história deste livro. Conta uma visita feita por duas amigas a uma aldeia perdida algures no interior serrano do país, onde estranhos acontecimentos têm lugar, centrados na figura de uma tal Perpétua, que parece existir simultaneamente em várias versões de idades diferentes. Ela e os restantes membros da sua família. Uma das duas amigas, tuberculosa (e foi a doença dela que as levou a ir passar as férias àquela zona, por causa do ar puro), é particularmente sensitiva, e vai acabar por descobrir os segredos do lugar.
Esta última história é razoável. A ideia tem algum interesse, a história está razoavelmente bem escrita e a própria estrutura do texto contribui para lhe dar um mínimo de qualidade. Mas as duas primeiras são absolutamente para esquecer.
Diálogos rebuscados em que as personagens falam todas da mesma maneira inverosímil, sem que nenhuma delas tenha um mínimo de profundidade, infodumps de larga escala, repletos de disparates astrológicos e místicos com uma capa de cientificidade que só os torna mais ridículos, longas dissertações acerca de coisas que toda a gente dentro da história deveria saber, postas ali só e apenas para benefício do leitor, transformam aquele par de histórias em dois textos muito, muito maus, cheios de vícios e com um português de qualidade aceitável como única virtude.
Se não fosse a última história, a classificação deste livro só podia ser bola preta. Perpetuamente Perpétua, se considerada isoladamente, receberia talvez três estrelas. Tudo junto, somado e tirada a média, não sobe a mais do que uma estrela. No conjunto, este é decididamente um mau livro. Como algo assim pôde ser recomendado para publicação pelo júri do Prémio Caminho de 1991, vencido por O Futuro à Janela, de Luís Filipe Silva, é algo que escapa por completo à minha compreensão.
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