R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

A Vocação do Círculo

por Daniel Tércio

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 30.06.2007

A Vocação do Círculo foi o segundo livro de "ficção científica" portuguesa a ser publicado na sua casa de eleição ao longo dos anos 80 e 90, a Editorial Caminho, e não se atrasou muito relativamente ao primeiro: o livro de estreia de João Aniceto, Os Caminhos Nunca Acabam. Marca também a estreia de um dos autores mais interessantes da ficção científica e fantástico portugueses, embora a sua obra acabe por ser comparativamente escassa e, pela sua ausência total nos últimos anos, pareça ter-se afastado definitivamente do género.
Mostrando embora ainda alguma imaturidade estilística, A Vocação do Círculo é já um romance com interesse, e já revela as características principais do universo do autor, que seriam desenvolvidas com maior profundidade em livros posteriores. Nomeadamente, uma abordagem à ficção científica que tem mais de fantasista do que de científico, preocupações estilísticas bem marcadas e alguma fragilidade nos remates das histórias.
Trata-se de um romance de realidades paralelas. Começa na Lisboa do nosso universo, ou pelo menos de um universo em tudo semelhante ao nosso, na qual o protagonista, Licínio Campos, descobre que tem um duplo que chega mesmo a usar o seu próprio nome. Os dois acabam por encontrar-se, trocam algumas explicações, mas tudo muda de repente quando se tocam e o Licínio original do universo em que a história começa se vê projectado para a Lisboa de um universo paralelo onde as coisas são em parte muito semelhante às que conhecia, mas por outro lado muito diferentes.
É neste universo paralelo que se desenrola a maior parte do romance. Aí, a ciência encontra-se bastante subdesenvolvida, mas em compensação a magia é corriqueira. Mas isso não impede que nesse novo universo existam duplos de muitas das pessoas que Licínio conhecia no seu universo de origem — e onde teria havido também um Licínio, cujo lugar ele acaba por ocupar, sem que se fique a saber lá muito bem o que lhe poderia ter acontecido. Esta é, adiante-se desde já, a mais séria falha lógica no enredo do romance... e a prova definitiva de que estamos em territórios bem distantes da ficção científica propriamente dita.
É que embora Tércio seja alguém corriqueiramente conotado com a ficção científica nacional, alguém que frequentou durante largos anos os círculos da FC portuguesa e esteve no grupo que deu origem à primeira associação portuguesa do género, a Simetria, a verdade é que a sua obra só muito raramente chega a ser mesmo ficção científica e, já desde este seu primeiro romance, sempre se aproximou mais de registos a que o mainstream literário chama seus. A Vocação do Círculo é um romance bem mais próximo de alguns livros de Saramago, nomeadamente O Homem Duplicado, do que de representantes da ficção científica portuguesa como o Terrarium, de João Barreiros e Luís Filipe Silva. É um romance fantástico, com algo de realismo mágico, uma forte dose de fantasia e só levíssimas pitadas de FC e história alternativa, que transporta o leitor — e o protagonista — pela Grande Lisboa de três universos paralelos, cada um mais afastado do que o anterior daquilo a que a nossa sociedade entende por progresso, e que termina numa nota bucólica e paradoxalmente conformista, apesar da revolução final, num tom de regresso a uma certa pureza da vida simples, pobre e sem ambições.
Com efeito, o tom superficial do romance é de rejeição do conhecimento e da ambição. Ficamos a saber ao longo do livro que todas as peripécias que Licínio sofre, todos os seus saltos entre universos, foram provocados por uma manipulação da "teia cósmica", algo em que não se deve mexer sob pena de desencadear terríveis consequências. É, pois, necessário derrotar os imprudentes — ou malvados, ou talvez arrogantes — que a tal loucura se atrevem, a fim de que o Cosmos e, em consequência, as vidas das personagens do romance, regresse aos seus eixos. Mas, paradoxalmente, esse regresso só é possível graças aos conhecimentos e à visão do mundo que Licínio traz do seu universo de origem, injectando assim conhecimento novo nos universos que visita.
Este carácter paradoxal é, talvez, a faceta mais interessante de um romance que, embora já mostre com clareza o potencial do autor, está todavia ainda longe daquilo que ele mostrou mais tarde. Um estilo ainda frágil já referido acima, diálogos pouco credíveis ou algo pueris, algum desequilíbrio na estruturação do romance e um fim que não está inteiramente conseguido põem este livro um patamar abaixo de Pedra de Lúcifer ou O Demónio de Maxwell. Embora seja leitura agradável, que não envergonha ninguém, não chega às quatro estrelas.
★★★

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A Vocação do Círculo

por Daniel Tércio

Editorial Caminho

Colecção Mamute, nº 10

1984

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O Demónio de Maxwell

Pedra de Lúcifer

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

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e escreveu a introdução e os contos:

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