Que Difícil é ser Deus!
por Arkadi e Boris Strugatski
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 19.09.2001
republicada em 24.06.2003
Lá nos idos pós-revolucionários de 1979, a Caminho começava a publicar ficção científica na sua primeira colecção do género (onde também se publicou policial), a Mamute.
E este foi o primeiro livro da colecção. Com o nome de Trudno byt' Bogom, no russo original, e originalmente publicado dois anos antes, na União Soviética, este livro dos irmãos Strugatsky conta a história de Dom Rumata, um nobre arrogante e excêntrico dum reino perdido nos confins dum planeta distante, que é ao mesmo tempo Anton, técnico do Instituto de História Experimental duma Terra convertida ao comunismo, destacado como observador da dinâmica histórica do reino de Arkanar.
Alto lá, exclamam, homens como nós num planeta distante?
Pois é. Homens como nós num planeta distante. Um dos mais patetas artifícios da FC...
... que no entanto produziu obras a todos os níveis extraordinárias. Só para dar um exemplo: Os Despojados, da Ursula K. LeGuin.
Para que o artifício pateta não redunde numa história também ela pateta, é necessário que a obra recorra ao artifício de uma forma especial. Nos Despojados, a humanidade de Anarres e Urras funciona porque aquela história só resultaria com seres humanos, ou com ETs iguais aos seres humanos em tudo o que têm de fundamental (outra patetice comum). Porque o objectivo da história é fazer uma experiência social virtual com seres humanos e sociedades humanas, um estudo de caso sociológico, completo com todas as contradições inerentes aos seres humanos e sociedades humanas.
A ideia básica de Que Difícil é ser Deus! é igual, embora diferente nos pormenores. Muito influenciados pelo determinismo histórico marxista mas abertos à ideia de que o fluxo da História não é necessariamente linear, Arkadi e Boris Strugatski criam um planeta submerso na Idade das Trevas onde de súbito nascem estruturas de poder semelhantes aos fascismos do século XX, graças a uma Ordem de religiosos guerreiros terrivelmente bem organizada e absolutamente fanática.
Entretanto, Dom Rumata, fruto de uma sociedade comunista utópica, profundamente (quase religiosamente) humanista, é confrontado primeiro com a brutalidade dos modos medievais e mais tarde com a selvajaria nazi, que o repugnam e enraivecem. É do conflito entre as convicções do historiador e o ambiente que o cerca que nasce o interesse deste livro, que acaba por ser um pequeno tratado sobre as limitações do pensamento humanista quando confrontado com situações extremas.
E como tudo isto, escrito há mais de 20 anos, é adequado aos tempos que vivemos!...
Quanto à tradução de Mário de Sousa, descreve-se numa palavra: excelente.
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