O Quarto Planeta
por João Aniceto
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 07.12.2002
republicada em 28.06.2003
O Quarto Planeta seguiu-se a Os Caminhos Nunca Acabam na bibliografia de João Aniceto. Foram quatro anos de diferença. E uma enorme diferença na qualidade do trabalho produzido.
Este é provavelmente o melhor dos livros de Aniceto. Conta uma história complexa, num português que, se não é de alto nível, é pelo menos competente, sobre uma sociedade dividida entre o fundamentalismo religioso e o progresso social e científico.
A história começa no imenso seio de uma nave-geração, na situação típica em que os habitantes da nave desconhecem que o são. É uma situação descrita em muitas outras obras de FC, antes e depois de Aniceto, dos tais ambientes criados e recriados tantas vezes pela FC que acabam por tornar-se clichés. E, de facto, esta primeira parte da história segue mesmo o cliché com fidelidade: numa sociedade dominada por uma elite religiosa repressiva, um grupo revolucionário desencadeia uma revolta sem saber muito bem com que objectivo (para além da conquista da liberdade). Acabam por encontrar a sala de comando da nave, há muito perdida, escondida por trás de um altar.
Por enquanto, nada de novo. Mas mesmo assim, a história é contada com bastante mais competência e agilidade que a de Os Caminhos Nunca Acabam, o que a torna, pelo menos, legível.
Na segunda parte, Aniceto até acaba por inovar, de certo modo. Passa-se esta parte num planeta, dividido entre uma cidade dos humanos e o mundo lá fora, a floresta, para onde são banidos todos aqueles que não se encaixam na vida da cidade. Como se vê, a sociedade permanece repressiva, e continua, pelo menos em aparência, dominada pela mesma clique, tornando evidente que nesta segunda parte se continua a seguir o desenvolvimento do mesmo grupo de humanos, só que muitos anos depois da primeira, muito depois de a nave aterrar. Incongruências à parte (como é que uma nave-geração, coisa gigantesca e pesadíssima, por definição, aterra num planeta?), a história mantém-se legível e cada vez mais interessante à medida que um pequeno grupo de subversivos é banido da cidade e se põe a viajar pelo planeta, cuja ecologia hostil é descrita de forma mais credível que a de muitos planetas da FC americana, cujos seres vivos (os dos planetas, não os da FC) são comestíveis para os humanos, por acção de uns quaisquer pozinhos de pirilimpimpim. Aqui não: a vida autóctone pode ser ingerida, mas não é digerida pelo organismo humano, e isso cria situações interessantes ao longo da viagem.
Nem a surpresa final falta neste romance ambicioso e bastante longo para a época (341 páginas), forçando a uma reavaliação de parte da história.
É, portanto, um livro que sai do negativo. Mas não é um bom livro. A prosa, apesar das grandes melhorias em relação à de Os Caminhos Nunca Acabam, não é a melhor. E o romance parece por vezes algo mal costurado.
Três estrelas.
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