O Desafio
por João Aniceto
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 24.10.2003
O Desafio é o terceiro dos romances de João Aniceto, autor que dominou a produção de ficção científica em Portugal ao longo dos anos 80, depois de se estrear em 1983 com o primeiro vencedor do Prémio Caminho, Os Caminhos Nunca Acabam.
E é precisamente ao universo desse primeiro romance que Aniceto regressa em O Desafio. Regressam os odiados psicómetras, técnicos do Instituto de Psicologia Experimental, regressam as explorações de sistemas planetários distantes a cargo de um punhado de homens e mulheres enclausurados numa pequena nave, regressa, enfim, o autor às suas origens.
O Desafio é, no entanto, melhor que Os Caminhos Nunca Acabam. A prosa é mais madura, o enredo do romance mais estruturado, o próprio romance mais bem construído, os diálogos menos pueris. Mas a verdade é que se trata apenas de uma repetição do mesmo esquema, com ligeiras variações. Lê-se O Desafio e não se obtém desafio nenhum, antes a sensação de que aquela história, ou outra muito semelhante, foi já contada pelo mesmo autor, se bem que de uma forma mais artesanal. O Desafio é, portanto, pouco mais do que mais do mesmo, e isso prejudica bastante este romance.
Nas suas 186 páginas de letra miudinha, começamos por encontrar uma nave alienígena que surge próximo da Terra e convoca determinados indivíduos à sua presença, propondo-lhes um enigma. Ultrapassado esse primeiro enigma, volta a ser convocada uma tripulação para se aventurar nas profundezas do espaço, desta vez em direcção a Delta Pavonis, onde voltam a encontrar mais enigmas, à semelhança do que já acontecera na expedição de Os Caminhos Nunca Acabam, esta a Epsilon Lyrae, reforçando-se assim, pelo paralelismo dos acontecimentos, os caminhos paralelos que os dois romances percorrem.
Se nos conseguirmos abstrair de Os Caminhos Nunca Acabam, ou se não tivermos lido esse primeiro romance antes do segundo, O Desafio consegue, de vez em quando, ser interessante. As ecologias que são descobertas nos planetas de Delta Pavonis são bizarras e não inteiramente inverosímeis (afinal de contas, o facto de Aniceto ser médico tem de contar para alguma coisa). As questões levantadas ao longo da história, realmente, têm algum interesse. O método de contacto escolhido pelos ETs, efectivamente, é estranho o suficiente para fazer sentido. Ou seja: se não existissem os "Caminhos" anteriores, O Desafio seria um romance minimamente aceitável.
Mas o problema é que esses "Caminhos" existem. E por isso, O Desafio transforma-se numa ruminação de alimento já digerido. Como consequência, não sai do negativo.
Duas estrelas.
Gostou deste texto? Ajude-nos a oferecer-lhe mais!
|