R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Os Trípodes 1 - As Montanhas Brancas

por John Christopher

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 06.07.2002

republicada em 22.07.2003

Levei muito tempo até me decidir quanto à melhor maneira de falar deste livro e dos outros dois que compõem a trilogia Os Trípodes. Precisamente porque se trata de uma trilogia, e portanto os três livros compõem uma unidade, pensei durante algum tempo se não seria melhor falar de todos em conjunto. Mas, por outro lado, cada um dos livros é individual e foi publicado logo no original inglês como um volume independente. Acabei, por isso, por decidir falar de cada livro por si, fazendo assim como que uma trilogia de críticas interligadas, com uma breve apreciação global na última. É bom fazer desde já um aviso aos que, eventualmente, leiam estas impressões: é inevitavel um certo grau de spoiler, portanto se tencionarem ler os livros e não quiserem ter antecipadamente vislumbres da história, parem mais ou menos a meio desta primeira crítica e retomem a leitura só nos últimos parágrafos da terceira.
Quando se começa a ler o primeiro volume de Os Trípodes, As Montanhas Brancas (The White Mountains no original), é impossível não recordar o livro original sobre uns trípodes gigantescos que invadiam a Inglaterra no princípio do século XX: A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. É óbvia a intenção de homenagem de John Christopher ao grande precursor da FC. E quase dá para ler nas entrelinhas os processos mentais de Christopher antes de se pôr a escrever este livro. N'A Guerra dos Mundos, os marcianos morriam no fim, atacados por micro-organismos terrestres... mas, e se não morressem? E se conseguissem vencer a guerra, como seria a vida no planeta umas décadas mais tarde?
O livro As Montanhas Brancas começa num local que nunca é directamente identificado, mas que se torna óbvio, por uma série de indícios (os nomes das personagens, por exemplo), tratar-se da Inglaterra rural. E começa por introduzir duas das personagens principais de toda a trilogia, dois pré-adolescentes que estão na iminência de ser "entoucados". O Entoucamento é um procedimento que assegura a obediência dos humanos aos novos senhores do planeta, através da aplicação de uma touca de rede metálica que envolve a cabeça assim que esta acaba de crescer.
Heróis adolescentes num mundo adulto hostil e rituais de passagem identificam sem margem para dúvidas este livro como uma obra de FC juvenil, e o terceiro elemento clássico, a viagem, começa pouco depois, quando um estranho personagem convence um dos heróis a fugir ao Entoucamento e a partir para sul, à procura de um grupo de homens livres, que habitariam numas "montanhas brancas" às quais os trípodes não teriam acesso. E é o que ele faz, acompanhado de outro dos heróis da história, que se lhe junta contra a vontade do primeiro (os dois são primos mas detestam-se convictamente).
O resto do livro é passado em peripécias várias, ao longo do caminho que leva os dois jovens a, primeiro, sair de Inglaterra, atravessando o canal para França, e depois a continuar caminho até ao que se percebe em breve serem os Alpes. É uma viagem bem descrita, com os inevitáveis acontecimentos de uma fuga clandestina, a sensação sempre presente de o desastre rondar por perto e, por vezes, estar iminente. É tudo muito típico, é verdade, segue-se fielmente uma certa receita das aventuras para jovens. Mas as coisas estão bem feitas, e não há neste livro aquelas voltas de argumento patetas que são tão comuns neste tipo de literatura. Por exemplo, chegados a França os dois jovens vêem-se em trabalhos por não saberem falar francês, enquanto noutros livros, muito provavelmente, aparecer-lhes-ia no cérebro o conhecimento da língua por artes mágicas, ou postular-se-ia que em França toda a gente falaria inglês...
Aqui é só um indivíduo que fala inglês. Um geniozinho adolescente que inventa (ou melhor, reinventa) tudo e mais alguma coisa, e que tinha encontrado um velho livro que ensinava inglês, tendo-o aprendido sozinho, o que explica o seu conhecimento da língua. Deus ex-machina, claro, mas neste caso a integração do factor sorte na acção está bem feita, porque este novo personagem vai tornar-se parte do grupo e ser decisivo em outras partes da trilogia.
O livro conclui com a chegada às Montanhas Brancas e o encontro com o tal grupo de homens livres. É um fim natural, e poder-se-ia ter deixado o livro assim que não se sentiria grande falta de uma continuação. Claro, chegados os heróis às Montanhas Brancas, que fazem em seguida? Embora a continuação da história não seja indispensável, eis o gancho para que ela surja.
Como FC juvenil, este livro resulta na perfeição. Poderá faltar-lhe a sofisticação da FC dirigida a um público mais adulto, mas tem tudo o que pode interessar aos mais novos: aventura, perigo, protagonistas jovens, adultos patetas e controlados que é preciso enganar e, em geral, uma história bem contada. Quatro estrelinhas...

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Os Trípodes 1 - As Montanhas Brancas

por John Christopher

Editorial Presença

Colecção Volta ao Mundo, nº 7

tradução de Wanda Ramos

1986

Críticas a outras obras de John Christopher

Os Trípodes 2 - A Cidade de Ouro e Chumbo

Os Trípodes 3 - O Poço de Fogo

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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