R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Veleiros do Tempo Cósmico

por João de Mancelos

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 09.11.2002

republicada em 27.08.2003

Antes de vos começar a falar deste livro, vou-vos pedir um pequeno esforço de imaginação. Imaginem uma space-opera contada em prosa poética altissonante, cheia de pormenores saídos direitinhos do Star Wars, Star Trek ou Galactica, coisas como "espadas-laser" ou uma Inteligência Superior, um computador chamado Asto 20 000, impérios galácticos e conquistas de planetas. Imaginem personagens com nomes de ressonâncias gregas, como Trion, que não falam como o comum dos mortais, antes declamam longas tiradas repletas da sabedoria que está destinada a perdurar até à noite dos tempos, gravada a ouro nos anais da história. Imaginem um livro cheio de adjectivos, superlativos, sentimentos agonizantemente intensos, um universo maniqueísta em que a sufocante maldade dos maus só pode ser contrabalançada pelo impenitente heroísmo dos heróis. Imaginem um romance que começa com uma frase como "No crepúsculo dos Tempos, as marés de fogo incendiavam o rendilhado de estrelas e as luas adormeciam nos braços das galáxias", e acaba, 170 páginas depois, com "Sempre que o coração da Humanidade os chamar". Imaginem quase duzentas páginas de pompa e circunstância.
Se conseguiram imaginar tudo isto, ficaram com uma pálida ideia do que é Veleiros do Tempo Cósmico, livro de estreia de João de Mancelos. E fiquem sabendo que este romance é pior do que o que quer que tenham imaginado.
Mancelos tem desculpa. Todos os jovens imaturos fascinados pelo espaço, pelas séries que vêem na televisão, por histórias que lhes fazem cócegas na imaginação, têm desculpa de tentarem, também eles, criar as suas próprias histórias, especialmente se gostam de ler, lidam bem com a língua escrita, têm um vocabulário rico e, em geral, sonham vir a ser um dia escritores. Foi o que aconteceu aqui: o jovem João de Mancelos, 16 anos borbulhentos, decidiu um dia deitar ao papel os seus próprios heróis. Mancelos teve ainda o mérito de ter persistido para além das primeiras páginas e ter concluído o seu romance, coisa que poucos dos adolescentes candidatos a escritores chegam a fazer. Mancelos teve ainda o mérito, ou a imprudência, de se deixar de complexos e procurar alguém suficientemente louco para lhe publicar o livro. E a pontaria de achar esse alguém.
Quem dificilmente tem desculpa é quem não recusou editar Veleiros do Tempo Cósmico, dizendo ao autor que tinha talento para lidar com as palavras, sim senhor, mas que tinha de aprender a domá-lo antes que pudesse escrever um romance com pés e cabeça, que continuasse a tentar que um dia chegava lá. Mas que ainda não tinha chegado. Que Veleiros do Tempo Cósmico não tinha qualidade suficiente para ser publicado, muito longe disso.
Mas o passado é o passado e enquanto não se descobrir uma forma qualquer de viajar no tempo (e até pode ser o miraculoso "deus ex machina" usado por Mancelos), não se pode voltar atrás e pôr um bocadinho de bom senso na cabeça do editor da Vega. Assim, fica este livro para a história da literatura portuguesa de FC como um dos piores já publicados. E fica Mancelos preso a ele, dando a quem tomou contacto com o autor através deste livro a ideia de que Mancelos é isto. Ideia injusta, porque o adolescente de outrora cresceu e aprendeu a escrever decentemente, e o seu segundo livro de FC, a colectânea Foi Amanhã, é infinitamente melhor que este livro.
Os Veleiros do Tempo Cósmico não podem merecer outra coisa que não seja uma grande e bem redonda bola preta.

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Veleiros do Tempo Cósmico

por João de Mancelos

Vega

1988

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Foi Amanhã

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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