R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Crónicas do Caos — O Mar Infinito

por Jeffrey A. Carver

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 22.02.2004

Neste terceiro romance da série das Crónicas do Caos, Jeffrey A. Carver leva-nos para um planeta onde o grupo de portadores das pedras tradutoras (Bandicut e companheiros extraterrestres) toma contacto com os neri, uma espécie inteligente anfíbia, que luta, uma vez mais, contra uma ameaça tremenda, desta vez proveniente das profundezas do oceano, que põe em sério risco a sua sobrevivência, ao mesmo tempo que mantém uma guerra de baixa intensidade com uma outra espécie, habitante de terra firme.
Quem leu os dois romances anteriores, Viagem a Neptuno e Atractores Estranhos, vai reconhecer muita coisa aqui: há uma ameaça mal compreendida contra a qual os portadores das pedras são atirados sem que primeiro lhes seja pedida uma opinião, há uma espécie inteligente (ou duas) que começa por desconfiar daquele bizarro grupo de alienígenas e robots, mas que acaba por depositar neles as suas esperanças, à medida que a sua situação vai caminhando para o desespero, há tecnologias aparentemente mágicas que permitem fazer coisas impossíveis, enfim, há uma coerência clara com as histórias que antecederam esta.
Normalmente, a coerência é uma coisa boa. Um romance tem de ter coerência interna para funcionar, e o mesmo é verdade para qualquer outra história. Mas a verdade é que há uma linha relativamente fina a separar a coerência da monotonia. Por outro lado, o principal problema deste tipo de séries é que já se sabe à partida que por mais voltas que se dê ao argumento, por mais dificuldades intransponíveis que sejam colocadas aos protagonistas, todos os problemas acabam resolvidos. Se assim não fosse, a série terminaria, e por isso a solução das dificuldades é essencial para a continuidade. E ao fim do segundo volume das Crónicas do Caos, já se tinha tornado claro que Carver obedece a esse imperativo, e que todas as suas histórias, ou partes de uma história mais ampla, têm de acabar resolvidas dê lá por onde der. Assim foi com o primeiro romance, assim foi com o segundo e, portanto, assim deverá ser com o terceiro e os outros que virão.
A consequência disto é que de todas as reviravoltas de argumento, de todas as situações de fim de linha, de todos os becos sem saída, o leitor só retira a curiosidade de saber como vai de cada vez o autor encontrar a solução. Ora, desta forma, o envolvimento na história que poderia surgir com um argumento de que não se conhecesse à partida o fim fica impossível. E isso retira boa parte do interesse que o romance poderia ter.
Até porque Carver não é propriamente um grande escritor (e quanto à tradutora, já lá vamos), não proporciona a satisfação estética de se tomar contacto com "belos nacos de prosa", que salvam outras obras igualmente (ou bastante mais) desprovidas de um enredo interessante. É um escritor seco e objectivo que pretende apenas contar uma história sem grandes preocupações estilísticas, à boa maneira da FC hard.
Seja como for, este livro tem, tal como os outros dois, a grande vantagem relativamente a outras séries de poder perfeitamente ser lido sozinho. Nem Viagem a Neptuno, nem Atractores Estranhos são indispensáveis para a fruição de O Mar Infinito, e embora ambos forneçam informação que vai ser útil para melhor compreender este livro, esta história é suficientemente independente para se poder ignorar à vontade os outros dois (o que no caso do primeiro é uma bênção).
Há, no entanto, uma excepção ao que ficou dito acima: O Mar Infinito está pontuado de pequenos interlúdios passados, não no planeta dos neri, mas sim em Tritão, descrevendo acontecimentos extraordinários que vão tendo lugar em torno de Julie Stone, a paixão humana que Bandicut deixou para trás. Ora, estes interlúdios vêm na sequência de coisas acontecidas no primeiro volume e não têm a mínima relevância para o terceiro. Parecem mais servir de preparação, ou de gancho, para o quarto volume da série, que aparentemente terá alguma coisa a ver com a jovem Julie e com a máquina alienígena que Bandicut descobriu (ou foi levado a descobrir) logo no início da história.
Ou seja, em termos de estrutura do romance O Mar Infinito, considerado individualmente, estes interlúdios são no mínimo bizarros, chegando a ser com frequência contraproducentes, porque quebram o ritmo da história com informações e acontecimentos sem a mínima relação com ela. Só fazem sentido inseridos no todo das Crónicas do Caos — e isto partindo do princípio de que o quarto volume irá de facto pegar nestas informações. Não se sabe: Carver ainda está a escrevê-lo... e ao quinto... e ao sexto. Se quiserem mais informações, podem encontrá-las no site do autor, aqui.
E quanto à tradução? A do primeiro volume foi catastrófica, a do segundo foi excelente, que haverá a esperar da do terceiro?
O que há a esperar são as consequências de a Europa-América ter voltado a cometer a asneira de mudar de tradutor a meio de uma série. Se a primeira mudança foi para melhor e por isso se aceita, mesmo apesar das inconsistências do primeiro para o segundo volumes, desta vez temos as inconsistências e temos uma tradutora que embora não seja tão má como a de Viagem a Neptuno (o que seria difícil), fez um trabalho bastante pior que o de Pedro Miguel Dias. A tradução de O Mar Infinito é legível no sentido de não destruir o romance, mas não passa disso, e os mais intransigentes com erros de palmatória irão encontrar aqui exemplos variados e relativamente abundantes.
Feitas as contas a tudo isto, é um livro que não passa da mediania. Serve para distrair, lê-se sem grande esforço, mas nada mais do que isso. Três estrelas.

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Crónicas do Caos - O Mar Infinito

por Jeffrey A. Carver

Publicações Europa-América

colecção Nébula, nº 78

tradução de Carla Mendonça

2002

Críticas a outras obras de Jeffrey A. Carver

Crónicas do Caos — Atractores Estranhos

Crónicas do Caos — Viagem a Neptuno

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

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