Como Era Gostosa, a Minha Alienígena!
organizado por Gerson Lodi-Ribeiro
uma crítica de Eduardo Torres
publicada em 17.08.2003
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Ocorreu finalmente, no inicio de 2003 (embora oficialmente publicado em 2002, segundo o registro oficial do ISBN), um dos lançamentos mais aguardados da FCL (ficção científica lusófona): A antologia Como Era Gostosa a Minha Alienígena!, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro e publicada pela Editora Ano-Luz, que vem somar-se às iniciativas anteriores da editora em temas caros a todos os brasileiros, como as antologias Outras Copas, Outros Mundos de 1998, sobre futebol, e Phantastica Brasiliana de 2000, para comemorar os 500 anos do Descobrimento.
A Gostosa (como passou a ser carinhosamente conhecida pela comunidade de FC lusófona) foi um processo de longa maturação. As, digamos, preliminares erótico-literárias do projeto prolongaram-se por alguns anos. Esse lançamento reveste-se, portanto, de um caráter quase que ejaculatório e orgásmico.
E trata-se de um livro avantajado com suas 339 páginas, um lançamento sem dúvida bem dotado para os padrões do gênero.
Gerson convidou autores brasileiros, portugueses e um mexicano a emprestarem sua pena para tornar realidade o sonho ousado — quiçá molhado — de reunir contos eróticos fantásticos num livro nacional.
E de modo geral foi muito bem sucedido. Há talvez uma certa oscilação de qualidade literária entre os contos — fato normal em qualquer antologia, mas alguns contos estão acima da média usual em publicações do gênero fantástico em português.
O livro é bem acabado em termos gráficos e a capa de Octávio Aragão chama a atenção. O título só aparece de perto. A capa atrai o leitor de longe mais pelo visual. É uma mulher abrindo uma capa, nua por baixo. Vemos tudo e ao mesmo tempo não vemos. Parece uma vamp dos anos 20, junto de um carro da época. Mas há algo estranho na mulher. As proporções parecem erradas. E tem uma aura um tanto... alienígena. Chegando perto, o leitor potencial lê o titulo e é atraído de novo. Detalhe que o título tem uma conotação sexual, não no significado das palavras, mas em sua forma, ou melhor, nas cores das letras. Diria que trata-se de um verdadeiro poema erótico concreto que nos remete a falos e conos. Quem tiver bons olhos verá. A capa é um bom aperitivo do livro, como deve ser.
O organizador dividiu os contos por temas, de modo criativo e interessante, embora tenha pago dois preços por isso. Primeiro, a ordem dos contos ficou menos harmônica em termos de estilo, ritmo e qualidade de cada texto, levando em conta a antologia como um todo; e, em segundo lugar, optou por apresentar cada conjunto temático de contos através de uma introdução, o que inevitavelmente causou a revelação prematura de alguns aspectos do conteúdo dos contos apresentados, sendo que, em alguns casos, isso teve características de verdadeiros spoilers.
A leitura do livro foi, com trocadilho, gostosa e prazerosa. Vamos a ela:
Introdução: "Sexo & Fantástico: Parceiros Ideais"
Nessa seção, Gerson Lodi-Ribeiro faz um resumo da história literária do erotismo fantástico e uma apresentação da Gostosa ao leitor. Texto leve, mas informativo. Cumpriu bem seu papel de aumentar a salivação para degustar o prato principal
I— Identidades Sexuais
1— Meu Nome É Go, de André Carneiro
Esse conto curto do veterano escritor da FCB foi publicado originalmente em A Máquina de Hyerônimus, de 1997. Nele somos colocados na posição de um gorila que é objeto de experiências de aperfeiçoamento de aprendizagem e linguagem. Com um estilo inventivo, Carneiro "incorpora" o gorila e sua linguagem própria e descobrimos que as relações do gorila com os cientistas (pelo menos com uma certa cientista) vão alem do sentido meramente profissional. Um bom início para a degustação da Gostosa.
2— A Paixão Segundo S.H., de Fábio Fernandes
Nesse conto também compacto, escrito especialmente para a antologia, Fábio Fernandes, vencedor do prêmio Argos 2002, nos faz viver o drama de um super-herói super potente em sua primeira experiência sexual com uma mulher. Criativamente, Fabio nos mostra como as coisas não são fáceis para os super poderosos. É interessante como vamos descobrindo as coisas aos poucos, num crescendo, graças à habilidade do autor. Uma experiência rápida, mas gostosa.
3— Engrenagem Vulgar, de Carlos Orsi Martinho
Esse é um dos melhores contos da coletânea. Denso, opressivo, angustiante. O leitor é arrebatado por Martinho e lançado num torvelinho do qual não pode se libertar até ler a última linha, quando desaba prostrado, mas com a sensação de ter tido uma experiência literária estimulante. Martinho nos apresenta a um antigo membro de uma sociedade secreta de seres diferentes das pessoas normais, e dos seus estranhos conceitos de moralidade e pecado. A Engrenagem apareceu pela primeira vez em 2000, na Coleção Terra Incógnita.
4— A Mulher, de Roberto de Sousa Causo
Esse conto foi originalmente publicado no início dos anos 90 no Megalon e tem um detalhe pessoalmente interessante para mim, pois nessa publicação anterior o nome do personagem principal era... Eduardo Torres! Sim, o meu próprio nome, numa antecipação profética do Causo, que não me conhecia na época! Quase fui imortalizado na Gostosa. Por que "quase"? Porque o Causo mudou o nome do personagem de seu conto na antologia para... Mauro! Dammit! Deixei de ser um personagem literário da FCB! Bom desenvolvimento da trama e do personagem principal. Uma surpresa no final que me pegou direitinho. Joga com identidade sexual de maneira interessante e de um modo só possível num cenário de FC. Um bom conto bem integrado ao tema da antologia, que li com prazer. Acho apenas que podia ser um pouco mais bem trabalhado em termos de hard e de um cenário mais verossímil. A sensação que passa é que a trama foi um pouco forçada em alguns pontos para gerar determinadas situações. Também achei alguns diálogos pouco naturais, mesmo levando em conta que alguns eram entre o protagonista e uma inteligência artificial (aliás, feminina).
II— Fantasias de Fantasia Sexual
5— Uma Bem Quente, de Ataíde Tartari
Nesse conto, escrito especialmente para a antologia, Tartari nos conta a história de um homem que foi amaldiçoado, ou abençoado, com os recorrentes — e exclusivos — favores sexuais de um ser feminino sobrenatural. Tartari trata bem dos diálogos e do delineamento dos personagens em rápidas e certeiras pinceladas. Um conto onde a forma bem cuidada se destaca. Talvez aí, justamente, tenha ocorrido um certo desequilíbrio, pois a robustez da forma foi um pouco frustrada pelo curto desenvolvimento da trama em suas sete páginas incompletas.
6— Seres Inorgânicos, de Lúcio Manfredi
Num conto que estréia na antologia, Lúcio nos fala de sonhos. Sonhos eróticos. Prazerosos e assustadores. E de seres fantásticos que habitam esses sonhos. E de realidades que se confundem com esses sonhos, de modo que não temos certeza se esses seres existem de fato, até que é tarde demais. Lúcio faz algumas descrições mais vívidas das atividades sexuais nesse conto em relação aos anteriores, alguns até bem pudicos para uma antologia erótica. Isso provoca a excitação do leitor, que passa logo a...
7— Entre a Pureza e o Desejo, de Jorge Candeias
Esse conto do nosso colega luso Candeias é um tour-de-force onírico, um texto de prosa erótica tão poética que parece uma ode. É uma obra onde o estilo e descrições bem cuidados se destacam, e onde a trama está propositalmente num plano secundário, a serviço da forma. Escrito para essa antologia, é um orgasmo literário fantástico onde compartilhamos os sonhos de um homem preso entre a pureza e o desejo até o clímax final. Creio que haverá polêmica entre os leitores sobre ele. Uns gostarão e outros não. É preciso entrar no clima. Eu entrei. E gostei.
III— Com Amor É Mais Gostoso
8— Fogo, de Miguel Carqueija
Mais uma vinheta que um conto, Fogo, que fala de amantes consumidos pelo fogo do amor e das estrelas, funciona bem, pesem embora alguns diálogos que poderiam ser melhor trabalhados. Carqueija talvez tenha se aproveitado bem da opção de um texto curto, escrito para essa antologia, pois algumas de suas obras mais longas, em minha opinião, se beneficiariam com um certo enxugamento do texto. Como dizia Graciliano Ramos, escrever é cortar.
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