R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

O Filho das Sombras

por Juliet Marillier

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 24.09.2003

Com O Filho das Sombras, Juliet Marillier dá seguimento à história iniciada com A Filha da Floresta (e que, com um terceiro volume de título original Child of the Prophecy, compõe a trilogia Sevenwaters), e ao mesmo tempo alcança a consagração junto dos fãs anglófonos de fantasia do hemisfério sul ao conquistar o Prémio Aurealis de 2000, na categoria "melhor romance".
E se A Filha da Floresta nos trouxe a história de Sorcha, "filha da floresta", princesa do domínio irlandês (e celta, apesar do nome inglês) de Sevenwaters, O Filho das Sombras traz-nos a história de Liadan, a filha mais nova da união entre Sorcha e o bretão Red, conhecido na sua nova pátria como Iubdan. Evidentemente, não é nenhuma destas personagens o "filho das sombras" a que se refere o título. Este, embora seja personagem secundária, irá encontrar-se no fulcro de todo o romance. Mas já lá vamos.
Este livro conta, mais uma vez (ou seja, à semelhança do que já aconteceu em A Filha da Floresta), uma história de amores proibidos entre duas pessoas que enfrentam todos os preconceitos e ignoram todas as conveniências a fim de deixar fluir o sentimento que as une. Agora, o casal consegue ser ainda mais improvável do que o do primeiro romance: em vez de uma princesa celta irlandesa e um príncipe bretão, temos uma princesa celta irlandesa, filha de pai bretão... e o misteriso líder de um grupo de mercenários mortalmente eficientes que aterrorizam toda a Irlanda, vendendo os seus serviços a quem melhor lhes pagar e gerando no processo um vasto rasto de ódios inaplacáveis.
Ou seja, estamos uma vez mais em presença de uma fantasia romântica, esta com menos características de conto de fadas do que a anterior, uma vez que não há aqui nem feitiços a ser quebrados nem tarefas impossíveis destinadas a quebrar esses feitiços, mas mantendo intacto todo o romantismo, chegando mesmo, por vezes, à lamechice.
Se eu fosse um pouco mais cínico, atribuiria a esse facto a vitória no Aurealis. Mas não chego a tanto. Porque, de facto, há facetas deste romance em que ele é bastante superior à primeira parte da trilogia.
A história deste romance é mais complexa que a de A Filha da Floresta. Há aqui mais política, e os casamentos por interesse, destinados a forjar alianças entre diferentes domínios feudais, formam parte importante no enredo. Também o maniqueísmo típico dos contos de fadas se esbate neste: desaparecem os grandes vilões do primeiro livro, e há agora várias personagens que mudam de papel ao longo da história, passando de boas a más ou vice-versa. Chega a haver até personagens que se situam algures num patamar intermédio de correcção moral, caso paradigmático do próprio "filho das sombras", num relativismo moral completamente incaracterístico deste tipo de história.
Para ajudar, Marillier volta a mostrar-se bastante competente como contadora de histórias, muito embora haja algumas partes em O Filho das Sombras que poderiam perfeitamente ter sido suprimidas. Como resultado, este é mais um daqueles livros em que parece que parte das suas 462 páginas está lá apenas porque o mercado exige livros de uma determinada dimensão. Mas mesmo apesar desse pequeno senão, a história é bastante bem contada.
Um romance, para que o seja de facto, deve funcionar independentemente enquanto tal, mesmo que pertença a uma história mais vasta. É o caso aqui. Embora a informação proveniente do primeiro volume da trilogia Sevenwaters sirva para emprestar um gosto acrescido a partes da história de O Filho das Sombras, pode ler-se apenas este romance sem problemas. E, embora sejam deixadas pistas sobre o que virá a seguir (até sobre quem será a tal "criança da Profecia" de que fala o título do terceiro volume), ler a continuação não se torna indispensável. Se todas as trilogias fossem assim, se todas tivessem este pudor em manipular o leitor para comprar sempre o próximo volume, seria excelente.
Quanto à tradução, apesar de ser obra do mesmo par da do livro anterior, não é, desta vez, tão boa. Não que seja má, longe disso; mas o que é certo é que em O Filho das Sombras a tradução nem sempre é invisível devido a alguns erros espalhados ao longo do livro. Questão de prazos? Eles e a editora sabê-lo-ão. Para os leitores, o que conta é o resultado, que desta vez não é tão bom como aquilo que os tradutores já demonstraram ser capazes de fazer.
Em resumo: é um livro honesto, com algumas grandes qualidades e alguns defeitos razoáveis, que segue com bastante fidelidade, e sob todos os aspectos, a linha do primeiro volume da antologia. Quatro estrelas.

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O Filho das Sombras

por Juliet Marillier

Bertrand Editora

colecção Grandes Romances

tradução de Irene Daun e Lorena e Nuno Daun e Lorena

2002

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