A Filha da Floresta
por Juliet Marillier
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 20.08.2003
Juliet Marillier é um nome que começa a surgir nos últimos anos nas listas de finalistas dos prémios de fantasia, particularmente nas do prémio Aurealis, que é o que lhe fica mais próximo de casa (Marillier é neozelandesa mas vive na Austrália). E isso deve-se, precisamente, aos livros da trilogia Sevenwaters, de que este é o primeiro.
A Filha da Floresta não ganhou o prémio — coube essa honra ao segundo volume da trilogia, O Filho das Sombras — mas foi finalista. E isso é obra, visto que A Filha da Floresta foi, também, o primeiro romance de Marillier.
Trata-se de uma fantasia celta passada em parte na Irlanda e em parte na "Bretanha" (Bretanha enquanto lugar onde vivem os Bretões. No tempo em que decorre esta história ficava no território a que hoje chamaríamos Inglaterra), na época em que os povos celtas (e pagãos) irlandeses começavam a sofrer a pressão militar dos invasores cristãos vindos da Grã-Bretanha, que já tinham conquistado a Ilha de Man e ilhotas circundantes, no mar da Irlanda. Estas ilhatas circundantes incluíam três ilhas míticas, sagradas para os irlandeses, cuja conquista serve de pretexto a uma guerra de gerações entre os dois povos.
Trata-se também de uma história de fadas romântica, que conta a adolescência dolorosa de Sorcha, uma princesa irlandesa, filha do senhor feudal de Sevenwaters. Este é um lugar semi-inventado que se situa mais ou menos onde hoje fica uma área chamada "Ring of Guillon", na República da Irlanda, perto da fronteira sul da Irlanda do Norte. Sorcha vê-se arrastada para uma vida de privações quando o pai se casa com uma feiticeira má que lhe enfeitiça os seis irmãos, transformando-os em cisnes. O feitiço, explicam-lhe as Criaturas Encantadas (nome que nesta história é dado às divindades célticas da floresta e da natureza em geral), só se desfará se Sorcha for capaz de tecer seis camisolas com morugem, uma planta urticante, sem que da sua boca saia um som durante todo o tempo que a tarefa demorar.
É certo que os irlandeses e os bretões são inimigos mortais mas, depois de um ano duro, que a heroína passa sozinha na floresta, é junto dos bretões — ou de um bretão especial, "Red" de sua alcunha, senhor de Harrowfield (outro domínio feudal, este situado onde hoje é o sul da Cumbria, norte de Inglaterra) — que ela vai encontrar, pelo menos durante algum tempo, o sossego e a segurança necessários para concluir a tarefa.
Tudo isto é material típico de contos de fadas e da literatura juvenil. Criaturas encantadas, habitantes antigos da terra, retirados para um mundo paralelo e mágico quando os homens chegaram, bruxas más, feitiços e terríveis provações para quebrar esses feitiços, adolescentes como heróis, interesses românticos que se revelam tão proibidos como os de Romeu e Julieta (ou quase), muita magia e muito perigo, são clichés explorados até à exaustão neste género de literatura. Então que tem A Filha da Floresta de especial, que coloque este romance num patamar mais elevado em relação à miríade de de obras semelhantes que é produzida todos os anos?
Duas coisas: uma presença importante do sexo como peça fundamental do enredo e o facto de a prosa ser de primeira água.
Com efeito, boa parte dos acontecimentos de A Filha da Floresta e das peripécias por que passa Sorcha e aqueles que a rodeiam são movidos a sexo. Há violações, tentativas de violação, mulheres a utilizar favores sexuais para dominar homens, homens que, apesar do desejo, sabem esperar pelo momento certo, enfim, uma panóplia completa de sexualidade que tem consequências determinantes no desenrolar da história.
E, com efeito, Marillier escreve muitíssimo bem, tecendo o seu romance com toda a calma mas com toda a segurança, dominando-o por completo e sabendo muito bem de onde parte, onde quer chegar e que passos há a dar para chegar até ao destino. O dueto Daun e Lorena, ainda por cima, fez um óptimo trabalho na tradução portuguesa, tão bom que merecem o melhor elogio que se pode dar a um tradutor: a sua tradução é completamente invisível.
Mas, claro, não é um livro ousado. Fantasias românticas raramente o são, bem pelo contrário: costumam basear-se naquilo que já se fez e já resultou anteriormente, em métodos seguros de contar histórias, em caminhos com poucas surpresas. Esta é uma literatura bastante conservadora. A própria Marillier, no seu site oficial, esclarece que os livros são baseados numa história muito antiga, o que esclarece muita coisa. Em todo o caso, são 450 páginas que merecem uma leitura por todos os que não sentem repulsa por este tipo de livro e de história. É, provavelmente, o melhor que há no momento em fantasias celtas, e tem a vantagem acrescida de ser um livro contemporâneo. Foi escrito em 2000, e foi publicado em Portugal em 2001. Se fosse sempre assim, seria excelente.
Quatro estrelas.
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