Sete Histórias por Acontecer
por Luísa Marques da Silva
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 20.07.2003
Luísa Marques da Silva escreve bem. É a primeira conclusão que pode tirar quem acaba de ler este pequeno livro de 123 páginas (incluindo 10 de prefácio do António de Macedo), que junta as sete histórias que o título sugere.
Mas para além disso, que temos aqui? O livro abre com uma história que ganhou uma menção honrosa num concurso literário promovido pela Câmara Municipal de Portimão e que por isso foi publicada independentemente em livro. Uma história com ressonâncias de conto infantil que fala de um menino que perdeu um cão de estimação e decidiu que nunca mais voltaria a perder ninguém que lhe fosse próximo, e acaba com a família toda a pedir-lhe, por favor, que a deixe morrer porque já não pode mais suportar o simulacro de vida que é obrigada a aguentar. Há uma sugestão de rebeldia nesta história, há um leve odor a subversão, mas no fundo ela não deixa de ser bem-comportada e certinha, reafirmando as certezas da vida e da morte porque é assim que as coisas são, e é assim que devem ser.
Este primeiro conto, Acabou-se! de seu título, dá o mote a todo o livro. Senão, vejamos:
Um Passeio Pelo Inferno, a história que se segue, é um pequeno conto surrealista que parece subversivo à primeira vista, até nos lembrarmos de que tudo aquilo cabe no tampo de uma secretária, momento em que o conto perde boa parte do seu surrealismo e se aproxima uma vez mais da literatura infantil.
Depois, vem Lisboa 2050. Esta é a história que mais foge ao clima geral do livro. E daí, se calhar nem é tanto assim... É um conto aparentemente de FC que retrata uma sociedade futura sobrepovoada, em que a eutanásia é compulsiva no momento em que as pessoas deixam de ser jovens. Seguimos a trajectória de uma família, e especialmente de um tal Alfredo, que não se conforma e foge. Mas acaba rendido. Mais uma vez a rebeldia, a subversão, são inconsequentes e acabam derrotadas. Alfredo mantém-se em rebeldia até ao fim, mas acaba por fraquejar e por obedecer à máquina social que o rodeia, aos ditames da sua sociedade. Em todo o caso, esta história não tem o laivo infanto-juvenil das restantes.
Esse laivo volta em força com A Bela História de Dinis e Beatriz ou Requiem por uma Borbulha, história de um rapazinho, pré-púbere (o Dinis) que enceta uma relação de amizade com a Beatriz. Mas se pensam que a Beatriz é uma rapariga da idade dele, desenganem-se: trata-se da sua primeira borbulha que lhe nasceu, como não podia deixar de ser, na ponta do nariz. Uma vez mais, o protagonista recusa-se a aceitar a morte, desta feita da borbulha (recusando-se a espremê-la), mas uma vez mais vai acabar por render-se àquilo que tem de ser.
Control Z é provavelmente a melhor história do livro e a segunda e última a fugir ao clima infanto-juvenil das restantes. Conta a decisão de um homem que se vê envolvido num acontecimento que provoca instabilidades catastróficas no normal fluxo do tempo e resolve remediar a situação de forma drástica. É um conto interessante que mexe com conceitos caros à FC, como a viagem no tempo (neste caso através de buracos temporais). O tema principal do livro, no entanto, mantém-se: mais uma vez há a morte acidental de uma criança a servir de fulcro para a acção, e mais uma vez é a confirmação dessa morte que traz a solução.
Na história seguinte, voltamos a entrar de cabeça no clima infanto-juvenil. O Caso do Botão Assassino descreve o percurso de um... ahem... de um botão, daqueles grandes, de casaco. Que... errr... que mata gente. Interessante? Nem por isso...
A última história chama-se... A Última História. É a história (curiosa) de um escritor que vai escrevendo (uma história novelesca de amores, desamores, casamentos e descasos) e se vê interrompido por uma série de acontecimentos enervantes que têm, ainda por cima, o efeito de o distrair e levá-lo a escrever o contrário do que estava a pensar, o que provoca reviravoltas sucessivas nas histórias, quer a do personagem quer a que fala do personagem. Para não variar, tudo acaba com mortes, seja do escritor, seja da personagem a que o escritor dá vida. Como se disse, é um conto curioso, mas é também o menos fantástico de todos os contos da colectânea.
Em resumo, o livro acaba por formar uma unidade. Algo (ou muito) ingénuo aqui e ali, com um tema central, subjacente aos temas particulares das histórias individuais que o compõem, mas que acaba por se sobrepor a eles: a morte e a sua aceitação como uma inevitabilidade a que não vale a pena tentar fugir.
Como semi-estreia, é um bom esforço, e é também o melhor dos primeiros três volumes desta colecção. Mas não sobe acima do razoável. Um razoável prometedor mas razoável mesmo assim.
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