R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Nemonymous: a Journal of Parthenogenetic Fiction and Late Labelling, nº 1

editado por D. F. Lewis

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 07.11.2006

Provavelmente, a maior parte dos leitores desta crítica já conhecerá a revista inglesa Nemonymous, editada por D. F. Lewis, quanto mais não seja através de críticas anteriormente publicadas aqui mesmo a dois dos seus números. Mas para os outros, aqui vai uma descrição genérica.
Trata-se de uma publicação invulgar.
É invulgar, por exemplo, no formato. Não é comum depararmos com publicações mais largas do que altas, salvo algumas publicações de cariz publicitário ou publicações mais experimentais, ou vanguardistas, em termos de grafismo, em geral muito ligadas ao design. São quase sempre publicações em que o conteúdo não gráfico é bastante pobre. Não é o caso da Nemonymous, pois quando se folheiam as páginas da revista, a sobriedade é absoluta e o texto vem limpo e só. Nem uma única imagem, nem um único floreado de design à excepção dos títulos e de citações acopladas aos contos que surgem em duas versões: a preto, em tipo relativamente pequeno, e a cinzento, em tipo grande. Mas mesmo este floreado único, que imita, aliás, a forma como o título da revista está impresso na capa, é sóbrio e de impecável bom gosto. Mais um ponto de invulgaridade.
É invulgar também, ou principalmente, no facto de publicar histórias de diversos autores que não são identificados no mesmo número em que as histórias vêm publicadas. Os autores são, mesmo, obrigados a guardar segredo quanto à sua identidade até que o editor a revele, nove ou dez meses após a publicação de cada número da revista, num processo que baptizou como "denemonização". A ideia é que as histórias valham por si mesmas, sem que a sua avaliação pelos leitores seja afectada por preconceitos que possam ter acerca do autor X ou Y. E é o que de facto acontece, até mesmo, pelo menos até certo ponto, depois da "denemonização", pois não serão muitos os leitores que lêem a revista com uma lista dos autores e histórias ao lado para irem conferindo quem escreveu o quê à medida que vão avançando.
É invulgar no facto de o editor procurar juntar num mesmo número histórias que dialoguem umas com as outras. A maior parte das publicações periódicas, até mesmo aquelas que têm habitualmente, ou de vez em quando, números temáticos, tratam as suas histórias como peças independentes que devem valer por si próprias, independentemente das que as acompanham. Não é o que acontece em Nemonymous. Aqui, as histórias como que falam umas com as outras e da sua intersecção surgem sinergias inesperadas.
Este facto e a ausência de créditos fazem com que cada número da Nemonymous se leia quase como um pequeno romance fragmentário, o que é mais um ponto de invulgaridade a acrescentar aos outros. Especialmente quando as histórias são tão homogéneas como neste número 1.
E assim chegamos do geral ao concreto.
O primeiro número da Nemonymous contém 16 histórias. São, naturalmente, todas diferentes umas das outras, quer em tema, quer em estilo. Mas também são todas muito... a melhor palavra para aqui parece ser adequadas. Nada destoa da harmonia do todo, e as 16 histórias contribuem para a criação de uma atmosfera surreal e bizarra, com toques de horror e de realismo mágico. É como se se ambientassem todas no mesmo mundo vagamente semelhante ao nosso, mas retorcido de forma abundante e inesperada. Há, naturalmente, algumas que agradam mais à sensibilidade específica de cada leitor, e outras que agradam menos. Mas, neste número em especial, sinto que destacar uma ou outra parece tão absurdo como destacar capítulos particularmente interessantes de um romance.
Ou por outra: seria assim não se desse o caso de estar a escrever para leitores de língua portuguesa, o que implica portugueses e, entre estes, lisboetas. É que uma das histórias se passa numa versão brilhantemente surrealista de uma Lisboa popular, cheia dos trinados do fado. All for nothing é o seu título, e este é o único destaque que faço.
Quanto às outras histórias, são todas boas. Nenhuma será de fazer cair o queixo, nenhuma será perfeita, nenhuma será uma obra-prima, mas não há aqui má prosa, e nem sequer prosa medíocre. A homogeneidade é, como disse, grande. E o todo é um pouco maior do que a soma das partes.
Gostaria que houvesse meias estrelas para poder dar quatro e meia. Como não há:
★★★★

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Nemonymous: a Journal of Parthenogenetic Fiction and Late Labelling, nº 1

editado por D. F. Lewis

2001

(leia também a crítica de Luís Rodrigues)

Críticas a outras edições de D. F. Lewis

Nemonymous, nº 2

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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