R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel

por J. R. R. Tolkien

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 07.02.2002

republicada em 18.10.2003

A Europa-América, detentora dos direitos sobre as traduções de JRR Tolkien, não podia ficar alheia à enorme onda de entusiasmo que rodeou o lançamento do primeiro filme do Senhor dos Anéis. Era inevitável que tentasse capitalizar a abertura do mercado face às aventuras de Frodo e Sam pelos montes e vales da Terra Média. Poderia ter simplesmente reeditado uma vez mais os livros já várias vezes reeditados na colecção que a editora dedicou ao autor inglês, mas resolveu ir mais longe, e fez dois lançamentos especiais, com capas retiradas do filme e páginas de fotogramas no interior. O objectivo é óbvio: captar para a leitura da trilogia de Tolkien aqueles que saíram do filme entusiasmados e ansiosos por descobrir de onde tudo aquilo saiu.
A edição especial de A Irmandade do Anel, colocada na colecção Contemporânea (colecção esta onde já haviam sido publicados dois romances de fantasia pós-tolkienesca, de Jean-Louis Fetjaine) com o número 51, é apenas a reedição da tradução de Fernanda Pinto Rodrigues que já conhecíamos, com os extras já referidos. Não traz, portanto, nada de novo a quem já conhece a obra de Tolkien. E, para os outros, é tão incompleta como o próprio filme. Isto é, quem quiser saber como prossegue a história terá de esperar até que o filme baseado em As Duas Torres saia, no final do ano, altura em que a editora prevê lançar a correspondente edição especial. E quem quiser saber como a história acaba terá de roer as unhas até ao fim de 2003.
Para quem só viu o filme, talvez convenha explicar que o livro é muito, mas mesmo muito diferente. Não em termos de história ou de sequência de acontecimentos, que aí é até bastante fiel. Mas sim no que diz respeito a ritmo e abordagem ao acto de contar uma história.
O filme é trepidante. É um filme de aventuras, um épico à antiga, cheio de grandes batalhas onde há muita morte e destruição (mas não se vê uma gota de sangue), de fugas vertiginosas, de perigos. Nele, raramente se perde o ritmo elevado, e os episódios sucedem-se com poucos tempos mortos (dos quais o maior é a xaroposa e inútil cena de despedida, em Rivendell).
O livro é o oposto, e a história vai-se desenrolando, pachorrenta, ao longo das suas 466 páginas. Tolkien era um contemplativo melancólico, um conservador, um homem que já no seu tempo era antiquado, e isso reflecte-se na sua escrita. O Senhor dos Anéis pretende ser um romance de cavalaria, uma exaltação idealizada das virtudes perdidas dos tempos medievais, e Tolkien descreve o seu mundo com uma minúcia típica de um tempo em que a visualização íntima das cenas e paisagens ainda não contava com as ajudas audio-visuais que temos hoje em dia, e que já começavam a existir na época em que Tolkien escreveu a sua história. Frodo e Sam só saem de Hobbitton à página 85, e não é antes da 255 que os hobbits chegam a Rivendell. Pelo contrário, a travessia de Moria, que é provavelmente a melhor parte do filme, é no livro "despachada" em menos de dois capítulos, isto é, cerca de 80 páginas.
Tolkien tem muitos admiradores, alguns deles perfeitamente fanatizados. Tem o mérito, frequentemente dúbio, de ter gerado uma mitologia e todo um cortejo de imitadores, de ter impulsionado o sub-género da fantasia épica, de ter inspirado gerações de RPGs (Dungeons and Dragons, anyone?) e jogos de computador. Mas tem também um grupo numeroso de detractores, gente a quem o conservadorismo do inglês incomoda, que lhe acha a prosa pomposa e chata, que não vê grande originalidade no mundo que criou - a Terra Média -, interpretando a história do Senhor dos Anéis como uma leitura simplificada da Segunda Guerra Mundial (os livros foram escritos enquanto a guerra decorria), que detesta o maniqueísmo das lutas do Bem absoluto contra o Mal absoluto, que vê nelas uma dose considerável de racismo, que encontra na relação entre Frodo e Sam sinais claros de homossexualidade, etc.
Quanto à versão portuguesa, a tradução é boa. Tem, claro, algumas falhas e opções discutíveis. É, por exemplo, caso para nos interrogarmos se num livro que é, segundo declara Tolkien, uma "tradução para inglês do original escrito em élfico" (uma língua inventada pelo autor, falada por alguns dos povos da Terra Média), onde são, inclusivamente, traduzidos os nomes, é ou não adequado que se conservem nomes anglicizados, como Baggins ou Rivendell. É ainda mais caso de interrogação quando isso acontece a par da tradução de Pilgrim Took como "Peregrino", ou de Bagsbottom como "Fundo do Saco". Mas, em geral, nota-se que a tradutora fez o melhor que soube fazer, e na maior parte dos casos fez bem, o que é mais do que se pode muitas vezes dizer das traduções em Portugal.
Seja como for, para o melhor ou para o pior, O Senhor dos Anéis é um ícone do século XX, reforçado agora, no início do século XXI, com a adaptação cinematográfica. E como tal é de toda a conveniência que seja lido por todos. Depois, cada um tira as suas próprias conclusões.
Deste apreciador, no entanto, não sai com mais de três estrelas...

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O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel

por J. R. R. Tolkien

Publicações Europa-América

Colecção Contemporânea, nº 51

tradução de Fernanda Pinto Rodrigues

2001

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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