Frankenstein
por Mary Shelley
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 08.10.2002
republicada em 21.09.2003
Que se pode dizer ainda de Frankenstein que não tenha sido dito e repetido por centenas de outros escribas? Haverá ainda alguma coisa de desconhecido neste livro de Mary Shelley, considerado por muitos como o romance inaugural da ficção científica?
É duvidoso que haja.
Mas como é quase certo que há quem não tenha lido este livro, aqui vai um pequeno resumo: Frankenstein conta a história de um homem obcecado pela busca da verdade e pelas possibilidades que a ciência lhe oferece. Protótipo do cientista louco, Frankenstein deixa-se levar, sozinho e cada vez mais afastado da sociedade, por todos os caminhos que a sua curiosidade científica procura. Procurando compreender os mecanismos mais profundos da vida, Frankenstein acaba por dar origem ao seu monstro (que lhe vai roubar o nome no imaginário popular), que passa a assombrá-lo e no fim o leva à destruição pessoal, ao destruir tudo o que lhe é caro.
Alguém comparou este livro a uma cebola, e a comparação é brilhante. Construído em camadas sucessivas de flashback, com histórias dentro de histórias, o livro seria supreendentemente moderno, não fosse toda a carga de romantismo que contém. De facto, o romance foi escrito em 1818, e nessa época era quase inevitável que os escritores pusessem nos seus personagens sentimentos arrebatadores, grandes tiradas carregadas de sentimentalismo, conflitos morais e emocionais quase insuportáveis. Frankenstein também é assim. Mas a sua grandeza e universalidade vem do facto de que não é só assim.
É um livro onde são levantados dilemas morais que ainda hoje continuam sem resposta, e onde se abriram portas para todas as dúvidas sobre o lugar que a busca pelo conhecimento deve ter na sociedade humana, dúvidas que atravessaram a ficção científica desde os seus primórdios até à actualidade, e que são hoje uma preocupação muito real e concreta das sociedades modernas. Será a busca pelo conhecimento um fim em si mesmo, terá de ter limites, será que as consequências previsíveis são compensadas pelas recompensas possíveis?
Shelley levanta as questões, mas não lhes dá respostas definitivas, ainda que seja óbvio o lado para que pende: o monstro é um criminoso, mas não é um criminoso sem coração. Limita-se a reagir às injustiças e ofensas de que foi vítima. Assim sendo, quem é o maior criminoso? O monstro, ou Frankenstein, que lhe deu vida e depois o repeliu, repugnado pela sua fealdade?
No fim de contas, em Frankenstein temos uma fábula acerca da responsabilidade humana perante a sociedade como um todo e perante cada um dos seus componentes, uma grande parábola acerca dos actos que se praticam e das suas consequências, e que mostra como a vida toma rumos inesperados devido, por vezes, a pequenas coisas. Escusado será dizer que é uma obra-prima, um grande livro de ficção científica e um óptimo exemplo do que a FC pode ser quando usada de forma séria.
Para completar a girândola, a tradução, nesta edição da Minerva, é muito boa. Cinco estrelas.
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