Estação de Trânsito
por Clifford D. Simak
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 09.03.2002
republicada em 08.10.2003
O Clifford D. Simak é um dos grandes autores americanos das décadas de 60 e 70, e a sua prosa por vezes atinge níveis bastante elevados (se bem que outras vezes desça bem abaixo do desejável, especialmente se comparado com outros nomes activos no mesmo período). É o caso deste Way Station, publicado primeiro de uma forma semi-clandestina como parte da comemoração dos 200 números da colecção policial da Livros do Brasil, a Vampiro, e mais tarde, outra vez de forma semi-clandestina (tanto assim que nem aparece nas listas oficiais da colecção), sozinho e com o número 130-A. É certo que a editora pretendeu inicialmente juntar um bom livro de FC a um bom policial (o volume inclui dois romances, publicados costas com costas: este do Simak e um Perry Mason, do Erle Stanley Gardner), a fim de fazer uma edição que ficasse na história. Mas um livro que ganhou um Hugo merecia uma edição própria e inteiramente integrada na colecção. Pode ser, aliás, uma ideia para a Argonauta Gigante, agora que esta colecção se dedica em parte a publicar obras recentes, em parte a resgatar clássicos.
Estação de Trânsito conta a história de Enoch Wallace, um ex-soldado do exército da União a quem é concedida uma espécie de imortalidade como contrapartida de ter a sua casa, uma quinta isolada em plena América Profunda, secretamente transformada numa estação de trânsito para uma rede de teletransportes alienígenas, a Central Galáctica. Wallace é o responsável pela estação. É a ele que cabe zelar pelo bom estado da aparelhagem, desembaraçar-se dos detritos da operação de teleporte, e também informar a Central Galáctica daquilo que se vai passando no planeta Terra. Dentro da estação, o tempo não passa, e Wallace só envelhece quando dá os seus passeios no exterior, o que faz uma hora todos os dias, regularmente.
É inevitável que a aparente imunidade de Wallace à passagem do tempo acabe por levantar suspeitas, e a história propriamente dita é desencadeada pelo início de discretas investigações conduzidas pelo FBI que, embora discretas, vão ter um impacto muito grande nas operações da estação de trânsito, na vida de Wallace e, eventualmente, no resto do planeta.
É um livro fundamentalmente bucólico, que se vai desenrolando pouco a pouco, quase sem se dar por isso. É também um livro de construção de personagem, coisa que ainda era rara na FC que se fazia em 1963, ano em que foi publicado (o Hugo, ganhou-o em 64). É ainda um livro onde os extraterrestres são verdadeiramente estranhos, e não humanos em fatos de borracha.
É um livro de ficção científica, com elementos de fantasia, porque nem sempre obedece por inteiro ao respeito pelo conhecimento científico sobre o mundo, e entra aqui e ali pelos terrenos da magia. Para alguns, será apenas a aplicação da lei de Clarke (qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia), e Estação de Trânsito será então indiscutivelmente FC, mas não é essa a minha opinião, visto que Simak vai pelos caminhos do paranormal (o que, aliás, é habitual na sua obra), não do tecnologicamente possível.
Em todo o caso, é um livro muito bom, provavelmente o melhor romance de Simak, e que nem envelheceu muito nos 40 anos que se passaram desde a sua criação. A tradução de Gilberto Almeida também é cuidada e bastante boa. A Livros do Brasil caprichou mesmo nesta edição.
Tudo somado não chega à obra-prima. Mas é um quatro-estrelas claro.
Gostou deste texto? Ajude-nos a oferecer-lhe mais!
|