Devaneação
por Wagner Grillo
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 31.08.2006
Há pelo menos duas definições em uso generalizado para o termo "literatura fantástica". Uma, mais restritiva, é utilizada pela academia e nos estudos literários para designar um determinado tipo de obra que tem como objectivo deixar o leitor na dúvida sobre se aquilo que acontece aos protagonistas é real, é consequência de uma magia que de facto lhes acontece, ou se é apenas produto da sua própria imaginação. A outra, mais abrangente, utiliza a expressão como designação global para todas as literaturas do imaginário, incluindo a fantasia, o maravilhoso, a ficção científica, o horror, etc. Esta segunda definição, como é evidente, inclui a primeira.
Devaneação obedece aos critérios adoptados para definir o fantástico académico.
No início do romance, encontramos João, o protagonista, numa praça de uma cidade brasileira, vagabundo entre vagabundos sem abrigo, e seguimos depois o seu percurso por uma série de peripécias que o levam a um iate, no alto mar, a uma ilha deserta onde tem apenas por companhia uma onça, a uma aldeia mágica numa outra ilha onde encarna um deus e, por fim, de volta à civilização, a um hospital. O título e a conclusão do livro sugerem que tudo o que nele é descrito, talvez com excepção do início e do fim, não passa de um longo devaneio do protagonista, um sonho, um delírio onírico sem qualquer existência fora da sua cabeça, mas nota-se que a intenção é deixar o leitor na dúvida: "será?"
E será um bom livro?
Não, não é. É um livro que sofre tremendamente com o maior problema das edições de autor: a ausência de uma edição e de uma revisão profissionais que sirvam para lhe dar um polimento muito necessário, e até mesmo a ausência de uma paginação profissional capaz de não deixar falas sem travessão, como se fossem parágrafos de descrição, ou capaz de escolher um tipo de letra mais adaptado à leitura. O livro está repleto de gralhas e pequenos, mas muito irritantes, erros de gramática e ortografia, e de situações gráficas ambíguas, que não parecem propositadas, entre aquilo que é discurso directo e o que não o é. Há demasiados casos de confusão, tão característica de muitos escritores brasileiros menos experientes, entre "a" e "à". Chega ao ponto de haver um capítulo intitulado "Suiçídio", assim mesmo, com c cedilhado!
E esta deficiência é pior um pouco por o romance revelar potencial. A história poderá não estar inteiramente conseguida, poderá não estar particularmente bem escrita, mas é inegável que, com o polimento que um bom editor (ou mais experiência) lhe dariam, constituiria uma leitura agradável. Wagner Grillo tem talento, mesmo que, ajuizando por este exemplo, talvez ainda lhe falte desenvolvê-lo melhor. A história tem motivos de interesse, em particular a parte que se desenrola nas ilhas, onde é criada uma atmosfera muito interessante que remete para a esfera mítica de territórios amazónicos. O jeito brasileiro de falar e escrever português está, aqui e ali, muito bem explorado, e é realmente uma lástima que a qualidade do texto acabe por ser tão irregular. Seja como for, é autor que nos pode trazer melhores frutos no futuro. É questão de esperar para ver. Para já:
★★
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