Contos Místicos
por Maria de Menezes
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 10.10.2002
republicada em 31.08.2003
Este é um livro de ficção curta longa. São três textos de ficção, nenhum deles particularmente místico, e nenhum deles do tamanho que a ordenação americana usada nos prémios de FC definiu como o dos contos: são, sim, duas noveletas e uma novela.
O primeiro destes textos, A Profetisa de seu nome, é um conto oitocentista cuja protagonista é uma rapariga surda-muda e com poderes, mergulhada num mundo de mulheres e, muito especialmente, de homens cruéis. E é oitocentista não só porque se passa num mundo cheio de madames e messieurs, com criados cúmplices e senhores ausentes e sobranceiros, mas também porque a sua estrutura é oitocentista e a própria escrita se aproxima bastante daquilo que se costumava fazer no século XIX ou, vá lá, no princípio do século passado.
A noveleta seguinte, O Príncipe, é mais contemporânea no tema. Trata-se de uma história urbana, que segue o percurso do Pedro, um jovem cigano pobre, de criança até adulto, entre o comércio, a marginalidade e os realojamentos, ou seja, seguindo fielmente os estereótipos do que significa ser-se cigano no Portugal de hoje. Mas o Pedro não é bem um cigano vulgar, porque esbarra, ou vai esbarrando ao longo da vida, com diferentes encarnações de uma mulher estranha que ora é uma menina, ora é uma velha, ora é uma mulher madura, sempre com uma atracção irresistível pelo Pedro.
A novela, intitulada A Virtude, volta ao tom oitocentista. Passada em 1914, pouco antes de iniciar-se a I Guerra Mundial (que arrancou oficialmente em Julho do mesmo ano), e no ambiente dos ociosos ricos que passeavam pelas estâncias turísticas do Mediterrâneo nessa época, a história é contada na primeira pessoa por um inglês que se aborrece do seu país e resolve ir passear para a Itália e a Grécia. Neste país encontra um casal de escandalosos homossexuais franceses, não sem antes receber a companhia do seu sisudo irmão e de uma prendada menina de nome Emily, a qual o protagonista deseja cortejar (a coisa é oitocentista - nessa época ninguém namorava, cortejava-se). A história vai decorrendo neste puro ambiente telenovelesco e sem nada de fantástico, até que quase no fim acabamos por descobrir que os homossexuais não são bem o que parecem.
É um livro que está escrito em bom português, e que até seria bom se tivesse sido publicado, digamos, até 1920. Infelizmente, estávamos, quando o livro acabou por sair, em 2001, já indubitavelmente no século XXI, e aquelas três histórias acabam dominadas por uma imensa sensação de déjà lu, e déjà lu montes de vezes, seja em termos de temas, seja em termos de objectos literários propriamente ditos. Este é, assim, um livro profundamente anacrónico que não traz, nem pretende trazer, absolutamente nada de novo à literatura fantástica portuguesa. E nem mesmo traz grande coisa de fantástico, visto que as histórias são dominadas por um traço fantástico muito ténue, que só se revela aqui e ali e não tem, em geral, impacto quase nenhum sobre o mundo que nos é apresentado.
O volume conta ainda com um prefácio de António de Macedo em que, visto que se trata do primeiro número da colecção que dirige para a Hugin, se dedica a apresentar aquilo que entende como literatura fantástica, e também a sua primeira escritora. Também aqui as novidades são poucas, se é que há alguma.
Resumindo, um livro dispensável, desaconselhável mesmo a quem procura ler sempre algo que nunca tenha lido antes, aceitável para os que se contentam com histórias que tratam bem a língua e se desenrolam calmamente, sem surpresas, até ao final que nem sempre é particularmente bem conseguido (embora os outros sejam bons, o de O Príncipe deixa muito a desejar).
À cinema, eu não daria mais que duas bolas a este livro.
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