R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

As Cidades Invisíveis

por Italo Calvino

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 08.02.2002

republicada em 20.07.2003

O Italo Calvino é geralmente considerado, seja pelos fãs de FC&F, seja pelos "mainstreamers", como um escritor deste último campo, com uma escrita cheia de pós-modernismos, metatextualidades, o diabo a quatro. Na verdade, têm razão: o Italo Calvino é isso mesmo. Mas não deixa de ser também um escritor firmemente ancorado na FC&F, especialmente na sua zona mais fantástica e surrealista, embora chegando às margens da FC propriamente dita, por exemplo, com a colectânea Cosmicómicas.
As Cidades Invisíveis (no original, Le Città Invisibili) pertencem ao campo surrealista. O livro é estruturado como uma colectânea de 55 mini-contos matematicamente intitulados e enquadrados por fragmentos de conversas entre Marco Polo e Kublai Kan. A história que o sobrevoa e lhe serve de pretexto trata dos relatórios que Polo faz ao rei dos mongóis sobre as cidades que visita nas suas viagens pelo grande império do Kan. Mas, na realidade, o objectivo de Calvino é traçar-nos o retrato de uma série de cidades exemplares, e como tal fantásticas, perdidas num limbo espaço-temporal onde os bazares e as rotas de caravanas se cruzam com problemas de tráfego e arranha-céus, cada uma com uma característica que a marca e distingue (e que se reflecte no título do mini-conto respectivo), e todas com nomes femininos, chegando por vezes a assaltar-nos a dúvida se Calvino não estará no fundo a falar de mulheres e não de cidades.
A estrutura do livro segue um plano rigoroso. Há cinco contos de cada tipo, ou sobre as cidades de cada tema, intitulados como "as cidades e o [tema]. n.", com n a ir de 1 a 5. Os temas (11 ao todo) vão-se alternando também segundo um plano rigoroso que define a estrutura de capítulos (que são 9), cada um dos quais precedido e seguido de um dos fragmentos de conversa referidos acima. Nada disto é, naturalmente, por acaso. Calvino, através deste artifício, constrói o seu livro como que armado de régua e esquadro, como um arquitecto que constrói cidades.
As cidades, em si, são fascinantes. Todas são descritas em 1-2 páginas, e são todas exemplares, oníricas, surreais. Mas são duma riqueza tal que várias vezes assalta o leitor a vontade de conhecê-las melhor, de ler romances inteiros passados nelas, de andar pelas suas ruas (quando têm ruas) ou viver nas suas casas (quando têm casas). Chega-se ao fim do livro ao mesmo tempo satisfeito e insatisfeito, querendo mais, mesmo que com a consciência de que a maioria das cidades desabaria assim que se tentasse concretizá-las melhor.
É, sem dúvida, um livro a ler urgentemente por todos, até porque, ainda por cima, está muito bem traduzido do italiano com a competência habitual de José Colaço Barreiros.
Cinco estrelas.

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As Cidades Invisíveis

por Italo Calvino

Editorial Teorema

Colecção Estórias, nº 53

tradução de José Colaço Barreiros

2000

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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