R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

A Cidade da Luz

por José Murta Lourenço

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 05.12.2002

republicada em 25.08.2003

A Cidade da Luz (livro que é novela pelas regras americanas acerca da extensão dos textos e romance a ajuizar pela classificação que traz na capa) parte de um ponto de partida interessante: a transformação em cidade da Aldeia da Luz, pequena povoação fronteira ao Guadiana que se tornou conhecida em todo o país por a aldeia original ficar submersa pelas águas da barragem de Alqueva e ser construída uma nova um pouco mais acima (explicação destinada a estrangeiros e emigrantes, que não haverá português ou residente em Portugal que não esteja farto de conhecer esta história). A transformação em cidade, e mais: a transformação desta Cidade da Luz na capital de Portugal, devido a uma série de cataclismos autenticamente saramaguianos.
A história passa-se em 2198, não por acaso precisamente 200 anos depois da data em que o autor resolveu começar a escrever o livro. Aparentemente, portanto, e com base apenas nessas premissas, poder-se-ia pensar que estamos perante um livro de ficção científica. Mas quando se lê que, em 200 anos, o mundo inteiro sofreu uma profunda transformação "provocada pelo acelerado desenvolvimento da energia cósmica" e pela terceira guerra mundial, que teria tido lugar em 2089, ou quando se lê que, por causa do Plano Hidrológico Espanhol, o Tejo e o Douro teriam passado a correr da foz para a nascente, rapidamente se percebe que ficção científica aqui há pouca ou nenhuma e que, em vez disso, a imaginação sem regras impera.
Pouca história existe: um homem, amnésico, chamado José, da Luz como a cidade, busca as suas origens para tentar compreender quem é. Mas este personagem é apenas uma muleta de que José Murta Lourenço se serve para falar da Aldeia da Luz de 1998. Tal como todo o mundo futuro, aliás. A ideia é transformar o futuro no inverso do presente, para mais salientar o contraste da modernidade com um certo ruralismo romântico que Lourenço encontrou na aldeia alentejana: os rios correm ao contrário, Lisboa e Porto estão submersas, radioactivas e vazias, todo o litoral, aliás, está vazio, ao passo que o interior está povoado. Tejo e Douro estão também eles tão radioactivos que se tornam zona interdita, dividindo o país em três e transformando Portugal numa confederação, o contrário do estado unitário e centralista que é hoje. E, no meio de tudo isto, um homem sem memória vagueia e vai procurando nos registos da Aldeia da Luz a sua própria história, que acaba a confundir-se com a história de José Murta Lourenço, o autor.
A prosa, essa, é de um saramaguismo absoluto, muito embora de qualidade muito inferior à do original (como sempre acontece com as cópias, aliás). Lourenço é fã declarado do nosso nobelizado, tanto que até inventa uma Ponte José Saramago, a páginas tantas. Mas isso não evita que o seu livro acabe por se tornar muito frouxo. É que um livro sem história e sem verosimilhança só se consegue aguentar pela qualidade da prosa. E por isso, quando essa qualidade também não aparece, não resta nada.
Espremida A Cidade da Luz, fica apenas uma descrição entre o sociológico e o turístico da antiga Aldeia da Luz tal como era antes de ser abandonada. Poderão dizer que era isso que o autor queria, afinal. Mas para isso não valia a pena tentar escrever uma novela, ou um romance, e muito menos pô-lo num futuro absurdo: bastava escrever um livro de viagens, ou uma ficção ambientada na Aldeia da Luz concreta. O que Murta Lourenço fez foi um mau uso dos instrumentos dados à literatura pela fantasia e pelo uso do tempo futuro.
À cinema, seria uma estrela solitária...

Nota da reedição: Entre a publicação desta crítica e esta sua republicação, o autor escreveu-nos, chamando a atenção para a existência real da Ponte José Saramago, que atravessa o rio Caia, entre Elvas e Badajoz, fronteira entre o Alto Alentejo e a Extremadura. Tem razão, José Murta Lourenço: a ponte existe de facto. Aqui fica a rectificação.

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A Cidade da Luz

por José Murta Lourenço

Universitária Editora

1999

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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