R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

O Búzio de Nacar

por Carlos Correia

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 13.07.2007

Permita-se-me uma curta viagem por memórias antigas.
Em 1981, adolescente, andava eu naquela fase de descobrir a ficção científica, de lhe experimentar os vários paladares e de lhe testar os limites, aquela fase que julgo que todos os que apreciam o género atravessam — embora alguns disso se esqueçam mais tarde — em que já sabia que gostava "daquilo" mais ainda não sabia lá muito bem exactamente o que "aquilo" era. Foi uma fase em apanhava e devorava tudo o que passava ao meu alcance cheirando ainda que vagamente a FC e ia fazendo as minhas escolhas.
Uma das coisas que me passou ao alcance foi este O Búzio de Nacar, um livrinho infantil com um desenho de uma nave esquisita a sair de dentro de água na capa. E, embora não fosse dirigido à minha faixa etária, cheirou-me a FC, portanto fiz o que fazia com tudo o que me cheirasse a FC: deitei-lhe a mão.
Lembro-me vagamente de ter lido a história num ápice e com algum agrado, mas devo confessar que aquilo que me interessou mesmo foram as ilustrações de Jorge Colombo — um submarino em forma de baleia e outro em forma de peixe e a tal nave bizarra, que aparecia em vários sítios. Foram elas que me guardaram o livrito num cantinho acarinhado da memória. Da história, esqueci-me por completo, o que é desde logo sintoma de que já na época o agrado não foi grande.
Todos estes anos mais tarde, fui reencontrar o livro no meio de coisas guardadas há décadas, soltei um "olha" e um sorriso, e decidi relê-lo.
E fiquei sem saber bem o que pensar dele. É uma história infantil, claro, e portanto é uma história simples e ingénua sobre um miúdo que encontra um búzio que se vem a revelar uma espécie de telefone de uma raça de extraterrestres subaquáticos — iguaizinhos a nós, claro, não vão as criancinhas assustar-se com monstros de olhos esbugalhados — que pretendem, através dele, deixar uma mensagem de paz à espécie humana antes de irem pregar a outra freguesia. Hoje, bem mais velho e muito mais cínico, este moralismo new age incomodou-me. E mais me incomodou uma tendência muito típica de uma certa camada de autores portugueses que se metem a escrever FC — ou algo que para eles passa por FC — sem saber realmente nada do assunto e sem se preocuparem com recolher previamente alguma informação básica. A páginas tantas, só para dar um exemplo entre vários possíveis, os ETs apresentam-se como seres provenientes do "planeta Doirax, o sétimo da constelação do Cisne". Precisamente: o planeta é da constelação (!!!). E não me digam que não era simples e eficiente escrever em vez daquele disparate crasso algo como "planeta Doirax, o sétimo de uma estrela pequenina na constelação do Cisne".
Um conto assim, dirigido a adultos, seria imediatamente deitado para o lixo. Mas a verdade é que isto se dirige a crianças, e para o imaginário infantil o conto resulta razoavelmente bem. E isso deixou-me a pensar em toda a floresta de equívocos que cresce em volta da ficção científica, com muita gente a achar que FC é isto, isto mesmo, literatura para crianças e, vá lá, adultos infantilizados, nada com que um adulto que não seja irremediavelmente imaturo deva perder tempo. E é com base em equívocos deste género que muitas das nossas editoras que editam FC erram por completo o alvo e acabam com falhanços nas mãos, e muita gente se recusa sequer a debicar nessas "coisas de putos".
A FC tem de arranjar maneira de distinguir entre aquilo que é infantil mas bom e o que é infantilizado e portanto mau, e de convencer os mais cépticos de que a sua camada adulta é realmente literatura adulta. Para isso, livrinhos como este podem ser bastante úteis. Porque não enganam ninguém, porque se apresentam precisamente como aquilo que são, porque são escritos e editados com um público específico em vista, as crianças, e apenas as crianças. Edições sem equívocos.
Este conto em concreto não é um bom conto, porque poderia ter sido escrito de forma a induzir menos as crianças em erro sem perder nada da sua magia e do seu apelo ao imaginário infantil. No entanto, como é claramente uma história infantil, está também longe de ser o lixo que seria se algo assim fosse escrito para adultos, ou até para adolescentes. Para cada idade, a sua exigência específica. Fica na média:
★★★

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O Búzio de Nacar

por Carlos Correia

Vértice

1981

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

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e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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