R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Zigurate — Uma Fábula Babélica

por Max Mallmann

uma crítica de Luiz Felipe Vasques

publicada em 30.10.2003

Ok, ele conseguiu novamente.
Comprei o livro ontem, 27 de Outubro de 2003, dia do lançamento carioca, evento no qual reuniram-se bons companheiros da Ficção-Científica, e li ainda antes de ir dormir, umas trinta páginas – e hoje mesmo o terminei, à espera de um professor que não apareceu na faculdade, somando um total de umas quatro, quatro horas e meia para liquidar suas cerca de 220 páginas.
Falo isto não para me gabar, mas para dizer que quem gostou de Síndrome de Quimera, de uns três anos antes, do mesmo Max Mallmann, vai encontrar em Zigurate a mesma prosa fluída e enxuta que pega o leitor pela mão e o vai conduzido em um rápido deslizar, num só fôlego, até o final do livro.
Zigurate é sobre dois imortais, um homem e uma mulher, Lugal e Nin, que estão entre nós pelo menos desde a época dos Sumérios; e duas pessoas normais que tem suas vidas mudadas ao cruzarem seu caminho. Duas tramas, uma para cada imortal, desenrolam-se no livro: entre Paris e Edimburgo, Sophie Brassier, uma jovem antropóloga com pouco tempo de vida – sofrendo uma enfermidade sem cura além de uma condição cardíaca – acha pistas através de registros históricos que a levam cada vez mais obsessivamente em busca dos imortais, acabando por encontrar Lugal. No Rio, temos a história paralela que se passa com Ray Stern, consultor de marketing americano, contratado para organizar a campanha de um político corrupto, que acaba encontrando – e se apaixonando – por Nin. A história de Sophie, e depois de Lugal e Sophie, é pontuada de uma certa melancolia, refletindo a imagem que se tem das cidades onde ocorre a trama. A história de Ray e Nin, refletindo a imagem que se tem do Rio de Janeiro, é agitada, apimentada e violenta, virando um thriller de ação muito bem desenvolvido – e este reflexo também se dá nos comportamentos respectivos de Lugal e Nin, como peixes em seus respectivos aquários, por assim dizer. As cidades são muito bem caracterizadas – nunca estive em Paris ou Edimburgo para constatar isto, mas ao menos me convence; e o Rio de Janeiro me saiu inconfundível.
Sophie e Lugal terão uma história curta cheia de perguntas, respostas, e poucas certezas no final – apenas aquelas que realmente importam. Ray e Nin terão uma história rápida e violenta, sem tempo para perguntas, porém repleta de respostas, e com um súbito final revelando uma certeza que possa valer a pena. O fim, como não podia deixar de ser, acaba sendo tomado pela melancolia – e a engraçada sensação do que é apresentado não deixar de ser o mais feliz dos fins possíveis.
Uma comparação com outras obras do autor acaba sendo inevitável – e como de Mallmann só conheço Síndrome de Quimera... de cara, não deixa nada a dever ao primeiro. Achei graça de Zigurate ter, assim como Síndrome de Quimera (que já ganhou uma edição francesa!), um protagonista com uma condição cardíaca, além de uma brincadeira com a idéia da imortalidade. Claro, em Síndrome o absurdo reina, enquanto que em Zigurate o fora do comum é representado apenas pelos imortais – e não apenas por isso, é uma história totalmente própria.
Alguns dos personagens secundários chegam a um nível quase cartunesco, no estereótipo, e para a levada de humor interno de Zigurate, todos eles com um charme pessoal, característico – detalhe para Neném da Candonga.
As citações sumérias permeiam o livro todo, com direito a escrita cuneiforme para numerar os capítulos. Versos do poema épico mais antigo que se tem, sobre o mítico rei Gilgamesh, abrem as diferentes partes do livro, além de ficar revelado qual sua importância na própria história de Lugal e Nin. Impressionam também certas recriações históricas de Mallmann, por onde Sophie vai tirando suas conclusões. Uma ambientação extremamente competente, sem incorrer em excessos de descrição desnecessários, sem comprometer o ritmo da história.
Ritmo este que é ágil; Mallmann é extremamente hábil em fazer suas mudanças de cena, para o que obviamente se faz valer de sua experiência como roteirista profissional, dando a impressão que Zigurate seria facilmente adaptável para as telas do cinema. Nós aqui na platéia estamos torcendo bastante para que isto, algum dia, ocorra.

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Zigurate — Uma Fábula Babélica

por Max Mallmann

Rocco (Brasil)

2003

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