R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Madrugada

por Octavia E. Butler

uma crítica de António Martins-Tuválkin

publicada em 30.04.2005

Ao ler Ritos de Maioridade sente-se muito a falta desta primeira parte — muito mais que de uma terceira. Madrugada é uma obra inquietante, em que o dilema básico despoletado em Ritos é remoído e repassado com grande intensidade, mas sem nunca ser maçudo. É, pelo contrário, pungente e contagioso, e as emoções negativas passam do papel para o leitor com uma força inusitada numa obra que, formalmente, não é exemplar.
Mesmo fazendo descaso da tradução trapalhona, falham ou faltam ingredientes básicos de uma obra de FC, como sejam, por exemplo, um tudo-nada de techno babble, ou pelo menos um mínimo de "verosimilhança assistida" no campo da xenobiologia e da genética (muito) inter-específica.
E no entanto... Ficamos divididos entre aceitar a "dádiva" alienígena da hibridização que nos repugna o cerebelo e nos maravilha o córtex, e reagir a ela fugindo e lutando, de forma literalmente desesperada. Assim, aos vilões, neoneandertais cruéis e desesperados, criticamos o atavismo e admiramos a estéril coragem.
Lilith, a (anti-)heroína, que se "lhes" juntou (aos bem-intencionados e irredutíveis alienígenas) por não os poder (con?)vencer, foi a primeira a gozar um sensório alargado, a cura do seu cancro, a longevidade estendida e a juventude perene. Foi quem, malgré soi, a todos fez pesar os prós e os contras, quem seviu de Cristo e Judas a uma Humanidade resgatada do suicídio e forçada a um "progresso" que a repugna e a que se resigna.
Mas, tal como o leitor, nem mesmo esta Lilith, já depois de décadas (no segundo volume), encontrou a paz de consciência, recorrendo periodicamente à fúria atávica, enojada (e orgulhosa, e resignada) pelo que ajudou a fazer — sem nunca ter tido realmente escolha.
Ficamos, ficámos, à espera da continuação, intitulada Imago na versão original que, ao que parece, teve os direitos comprados para publicação em Portugal mas estará agora num limbo, após o encerramento da colecção "azul" da Caminho.

Gostou deste texto? Ajude-nos a oferecer-lhe mais!

 

Madrugada

por Octavia E. Butler

Editorial Caminho

colecção Caminho Ficção Científica, nº 193

tradução de Lídia Geer

2000

Críticas a outras obras de Octavia E. Butler

Ritos de Maioridade

Críticas de António Martins-Tuválkin