R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

O Mundo Marciano

por Ray Bradbury

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 08.01.2002

republicada em 14.07.2003

A história deste livro, que ainda hoje é por muita gente considerado a obra maior de Bradbury, é curiosa. Publicado pela primeira vez em 1950, nos Estados Unidos, com o título The Martian Chronicles, consistia de uma colectânea de 26 histórias interligadas, algumas das quais publicadas anteriormente noutros sítios. No ano seguinte, o livro voltou a ser publicado, agora no Reino Unido, com o título The Silver Locusts. Mas não foi essa a única alteração: a história Usher II (a 17ª do volume original) foi retirada, e foi intercalada uma nova pequena historieta, intitulada The Fire Balloons, entre a 12ª e a 13ª. Além disso, houve uma revisão completa das restantes histórias. Mais tarde, o livro voltou a ser publicado várias vezes, em várias versões diferentes, e em cada uma a atmosfera geral dada pelas alterações de pormenor é subtilmente modificada.
O Mundo Marciano é a tradução do original norte-americano. Publicado pela primeira vez pela Livros do Brasil em 1958 com o número 6 da colecção Argonauta, foi reeditado 40 anos depois tomando agora o número 2 da Argonauta Gigante.
O livro vale pelo todo mas também pelas histórias individuais que contém. O conjunto conta a história de repetidas tentativas feitas pelos terrestres (o que para Bradbury é o mesmo que dizer americanos) para colonizar um planeta Marte tipicamente bradburiano, antigo, melancólico, habitado por uma civilização também ela antiga, preocupada fundamentalmente com a beleza e a harmonia das coisas, uma civilização decadente que aceita a sua decadência como parte do fluxo natural do tempo, desde que nada mude muito depressa, desde que tudo leve o seu tempo a passar. Uma civilização que nas suas cidades de vidro mata os invasores terrestres quase sem dar por isso, e se vê destruída involuntariamente por esses mesmos invasores, que no fim de contas nem sabem muito bem o que foram fazer para Marte, se começar de novo, se construir apenas mais uma versão do planeta que deixaram para trás.
À distância de 50 anos, O Mundo Marciano é uma visão ingénua e ultrapassada de dois mundos. Um deles nunca foi como Bradbury o retrata, o outro só o foi em parte e já deixou de sê-lo há muito. Mas é ainda uma visão actual desde que não seja tomada à letra. Porque uma das mensagens fundamentais que estão contidas no livro diz que ainda que tentemos fugir de nós próprios, aquilo que somos persegue-nos sempre, para onde quer que formos. E diz que é bom termos cuidado com o que fazemos sob pena de sermos subjugados pelas consequências dos nossos actos irreflectidos, o que é, afinal, uma das mais constantes mensagens da ficção científica desde que Mary Shelley inventou o seu Frankenstein.
E há também as pérolas que brilham nas páginas do livro. Contos individuais que são das melhores obras da ficção científica de todos os tempos. Bastaria um Hão-de Chegar as Chuvas Brandas (título que em outras traduções aparece como Virão Chuvas Suaves ou Virão Chuvas Mansas) para colocar Bradbury no panteão dos gigantes da FC. E histórias como Ylla, A Manhã Verde, O Marciano ou Os Novos Marcianos (também O Piquenique de um Milhão de Anos) valem ouro por si próprias.
Apesar da idade, apesar de hoje ser cliché mais que batido muito do que contém, apesar de uma tradução nem sempre inspirada, este continua a ser um dos grandes clássicos da ficção científica, e um dos poucos que conseguiu atravessar as fronteiras do género. A obra prima de Ray Bradbury é, ainda, uma obra prima.
Cinco estrelas.

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O Mundo Marciano

por Ray Bradbury

Livros do Brasil

Colecção Argonauta Gigante, nº 2

tradução de Fernando de Castro Ferro

1998

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A Morte é um Acto Solitário

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Fahrenheit 451

O Homem Ilustrado

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Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

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Jorge Candeias organizou:

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e escreveu a introdução e os contos:

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