Um conto que se poderia classificar como "horror gastronómico". Um misantropo, sofisticado como todos os misantropos, percorre o mundo em busca do prato mais requintado, perseguido por um curioso. Que acontece quando tudo é encontrado?
O Autor fala sobre a obra
Desde que li The Great and Secret Show (1992) de Clive Barker que me fascina a ideia — retomada incontáveis vezes, em incontáveis obras — da co-existência entre realidades distintas no nosso quotidiano. Tal como em The Wolfen (Strieber, 1978), onde uma antiga raça de lobisomens convive com a humanidade sem que esta se aperceba, a análise do correio perdido, nunca entregue, deixado à deriva por falta de remetente, por ignorância, por incúria, conta uma história subterrânea, sinistramente distinta daquela que "constrói" a nossa realidade.
Steaks Barbares foi a minha primeira tentativa de escrever algo de semelhante. Escrito em três pachorrentas tardes de Verão em 1995, na esplanada do Café Girassol — uma construção de 1922, de estrutura circular, completamente vidrada, sob a copa das tílias verdejantes do Jardim Municipal de Viana do Castelo — reflecte os pequenos pormenores da vida nocturna de uma pequena cidade em que nada acontece... aparentemente.
Que se passe numa África ucrónica parece contradizer a sua origem urbana, mas na realidade confessa apenas a evocação nostálgica de uma imagem colonial que pouco tem a ver com a realidade.
O conto foi escrito para o tema "Petiscos" do DN Jovem. O tamanho tornou impeditiva a sua publicação, mas não a atribuição de um primeiro prémio. Depois de uma conversa telefónica com o Manuel Dias, em que discutimos as possibilidades de cortar o conto, o DNJ acabou por não ser publicado na data prevista, o que gosto de pensar se deveu às dificuldades de escolher a medida adequada.
Em 1996 concorri com ele ao Concurso Jovens Criadores, sendo um dos 10 seleccionados.
O conto reflecte ainda algumas das minhas leituras desse Verão. La Chute, de Camus (cujo estilo resolvi experimentar), La Condition Humaine de Malraux. Depois, já depois do conto terminado, passaria a ler Needful Things, do King.
O tema de Steaks Barbares, e a sua estrutura, são um reflexo dos meus gostos pessoais e 6 anos depois de o ter escrito apercebo-me de que, inconscientemente, teci uma narrativa em que os uno a todos: literatura de viagens, as fotografias de Joel Peter Wittkin, a etologia e a antropologia, o exotismo do Continente Negro (da África de Burroughs e Haggard).... e sobretudo o desejo de descobrir que existem áreas sombrias no nosso planeta onde ser Humano ainda não quer dizer nada.
João Seixas, Novembro de 2001