Toast and Other Rusted Futures
por Charles Stross
uma crítica de Luís Rodrigues
publicada em 15.04.2005
Depois de ler a colectânea de Charles Stross Toast and Other Rusted Futures fiquei com vontade de dizer algumas coisas sobre o livro, em parte porque esperava muito mais dele.
Mas primeiro, as partes boas. A minha humilde opinião informa que A Colder War, Antibodies e Extracts from the Club Diary são, por essa ordem, os três melhores contos do livro. Se Antibodies fosse um pouco mais longo e não tivesse um início escrito de forma tão tosca, seria difícil preferir A Colder War a esse conto, e por isso é pena que Stross não tivesse arranjado tempo para poli-lo um pouco mais. Mas o conto acaba por entrar nos eixos, e é suficientemente interessante e recompensador para que eu feche os olhos às falhas que tem.
Extracts from the Club Diary pertence a uma das minhas categorias favoritas de ficção, as histórias secretas do mundo, o que provavelmente explica que eu tenha gostado tanto deste conto. Não vos vou revelar o enredo, mas achei muito divertido ver como a grande mas secreta paixão dos membros do clube se transforma na força motora por detrás de muitas (e não todas) das maiores conquistas tecnológicas do século passado.
Quanto a A Colder War, conto em que os Estados Unidos competem com a Rússia pela posse da derradeira máquina de destruição sobrenatural, uma vez que se descobre que os russos possuem um deus antigo morto, adormecido dentro de um sarcófago de betão, algures perto de Kiev, podem lê-la livremente no Infinity Plus. É um óptimo conto, e mal consigo esperar para ler o romance que é a sua prequela/expansão, The Atrocity Archives, que saiu em 2004 pela Golden Gryphon.
O outro conto Lovecraftiano do livro é A Boy and His God. Não é lá muito bom, mas foi divertido lê-lo. O mesmo posso dizer de Yellow Snow, a história de um viajante no tempo que se prepara para transformar o passado numa mina de ouro, alterando o seu metabolismo para conseguir mijar uma fortuna em heroína, e que acaba por ver os seus planos desabar por causa de uma prega no tecido do multiverso. Trouxe-me à memória algumas das histórias de João Barreiros, em especial por causa da forma como terminou, se bem que não exista nenhuma relação entre os dois escritores, como é evidente. (E além de tudo o mais, Stross não usa em lugar nenhum a expressão "máximo prejuízo")
TOAST: A Con Report é um dos contos mais desconcertantes do livro. Por um lado, transborda de ideias muito inteligentes que criam um ambiente óptimo, mas infelizmente isso é tudo: TOAST acaba por ser pouco mais do que uma série bastante aborrecida de encontros com velhos conhecidos numa convenção, como desculpa para descrever um mundo que evolui mais depressa do que aquilo que o protagonista é capaz de acompanhar. (Aqueles que se queixam da falta de enredo no slipstream e na "FC mariquinhas cheia de sentimentozinhos" deviam passar os olhos por material mais hard como este e ponderar se o problema está mesmo associado ao género — e até mesmo se é de todo um problema. Mas divago).
Com uma horrível excepção, o resto limitou-se a deixar-me indiferente, e passei um mau bocado tentando lidar com a prosa pouco memorável de Stross, que percorre a maior parte do livro, com o uso de diálogos demasiado artificiais e uma escrita que oscila — por vezes bruscamente — entre construções muito interessantes e outras muito mais cruas e menos pensadas. Não me importo com o palavreado técnico em si, visto que até sou um cromo dos computadores e tive poucos ou nenhuns problemas em compreendê-lo, mas parece-me que não existiu nenhum esforço real para fazê-lo soar bem e a maioria das vezes é simplesmente servido sem cerimónia ao leitor, em jeito de infodump.
Finalmente, uma vista de olhos sobre Big Brother Iron, uma actualização da famosa distopia de Orwell que contém aquele que é provavelmente o parágrafo mais infeliz de todo o livro:
There’s a telescreen set in the bulkhead opposite me, but something is wrong with my image in it. Strange—I move my hand, and then I realise: it’s not showing me the way its built-in camera would see me! It’s showing me a, a (what was the oldspeak word?) mirror image. I lean closer to it. Wave my left hand; the hand on the left of the image in the screen waves back at me. It’s creepy: there isn’t any electronics in the circuit. It’s made of glass, dumb glass with a reflective backing.
... aqui chegado, o conto abraça o desastre num grande e molhado beijo de morte. Não só a escrita é aqui amadora e cheia de clichés, como também me fez perguntar a mim próprio se não terá sobrado em Oceania absolutamente nenhuma superfície reflectora, de modo a que a visão de um... aaa... (como era mesmo aquela palavra em velhilíngua?) espelho pudesse causar tanto espanto. Arrepiante!
E depois há o argumento sobre as pessoas falarem, três ou quatro décadas depois de 1984, a descedência mulata do inglês actual e da novilíngua — e no entanto isso não aparece na escrita, a não ser nos lugares onde o autor resolve deixar cair um vocábulo em novilíngua porque acha que soa fixe. O leitor nunca fica com a sensação de que a língua é o resultado de uma tentativa falhada de condicionar as massas à novilíngua, e isso é algo a que Stross devia ter dado bastante atenção quando decidiu escrever Big Brother Iron com narração na primeira pessoa.
Resumindo: Big Brother Iron é um lado da escrita de Charlie Stross que eu gostaria de não ter conhecido, e estou disposto a apostar que nenhum editor pôs os olhos na história, ou pelo menos não com a intenção de a corrigir. Deveria ter ficado na gaveta em vez de ser incluída numa colectânea que já era tão desigual, ainda por cima no fim, onde serviu para me deixar um sabor amargo na boca quando devolvi o livro à estante.
Quando li A Colder War, pensei que iria adorar esta colectânea. Enganei-me. Há alguns grandes contos em Toast, incluindo A Colder War, e há outros dois ou três que conseguiram, por pouco, fazer com que o livro tivesse valido a pena, mas o todo é demasiado desigual para o meu gosto. Mesmo a produção do livro deixa algo a desejar — há um parágrafo mutilado algures, há palavras sublinhadas que deveriam ter sido impressas em itálico, e vão ter de ser vocês a olhar para a página 15 para tentar perceber como é possível que alguém tivesse deixado passar erros de maquetagem tão óbvios.
Apesar do enorme desapontamento, continuo a depositar grandes esperanças em Stross. Quero comprar Singularity Sky e, como disse, mal posso esperar por The Atrocity Archives. Espero que ele ainda venha a provar que as melhores histórias de Toast não aconteceram por acaso.
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