R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Solaris

por Stanislaw Lem

uma crítica de Alexandre Beluco

publicada em 31.01.2002

republicada em 23.08.2003

É certamente um romance que parece fora de seu tempo, porque não existem outros parecidos, nem na mesma época, nem depois e muito menos antes. É certamente um romance de ficção científica. Mas é também, e acima de tudo, uma história de amor e uma história sobre narcisimo.
Um astronauta, Kris, é enviado para uma estação em um planeta longínquo, Solaris, onde a tripulação deu mostras de ter perdido o controle sobre a situação. Nesse planeta, Kris, que recebeu essa missão por também ter formação em Psicologia, se apaixona por uma "enviada" de uma inteligência extra-terrestre para estudá-lo.
Essa enviada é como sua esposa, Rhea, já falecida, mas o é na medida em que ele a sentiu, e é construída com base na imagem da esposa que existe na mente de Kris. O início da paixão de Kris pela nova Rhea vem de sua semelhança com sua esposa falecida. Mas tudo se desenrola pela situação em que se encontraram e conviveram. Ele tentando se desenvencilhar dela e ela não conseguindo ficar afastada dele.
A inteligência extra-terrestre é o oceano de Solaris, constituído de um material estranho, que compõe estranhas formas na atmosfera solariana à guisa de raciocínios ou elucubrações. Esse oceano consegue inclusive alterar a órbita do planeta, que circunda de um modo quase caótico um sistema binário. Ele estuda seus visitantes enviando-lhes materializações de seus pensamentos, ou de suas recordações, ou de seus desejos. No caso de Kris, ele enviou um simulacro de sua primeira esposa, que se suicidou e que permanece como uma lembrança tormentosa. Com tantos recursos, seria improvável o homem não tratá-lo como uma divindade.
Pode-se afirmar que há dois aspectos nesse romance. Um deles diz respeito à relação entre Kris e a nova Rhea. O outro diz respeito ao Homem no espaço, procurando por outros seres, por curiosidade ou por não querer se sentir sozinho no Universo, e diz respeito também (de um certo modo) ao Homem e sua procura pelo divino, pelo sublime, pelo que é superior.
Kris se apaixona pela nova Rhea, cuja forma saiu de suas estranhas. Kris se apaixona na verdade por algo que vem de dentro dele próprio. Mas até onde ele suporta relacionar-se com alguém? Afinal, as duas mulheres com as quais se relacionara e que aparecem no livro terminam por se aniquilar. Será que a convivência com esse astronauta psicólogo leva as mulheres ao suicídio?
Mas Kris se apaixona também pelo instrumento da divindade que quer estudá-lo, ele se apaixona pela idéia de estar sendo estudado. E, em parte, sua paixão pela nova Rhea é movida por gratidão, por ela permitir que a divindade o conheça.
Os homens não têm motivos suficientes para se verem espelhados em Kris?
A decisão final de Kris de permanecer em Solaris, à espera de outro contato com a nova Rhea, não é fruto de sua paixão pelo oceano divindade? Ou, em última análise... de sua paixão por si mesmo, tendo se visto espelhado na nova Rhea?
Ou será que Kris, uma personagem de ficção, seria humano o suficiente para ter se apaixonado pela nova Rhea por algo como um remorso?
São perguntas com respostas difíceis, como também são difíceis as respostas para as questões que a religião se propõe a responder. É isso que faz de Solaris uma obra que não tem tempo, e que no futuro será reconhecida como um romance antigo (mas nunca antiquado!) porque Kris, ao tentar se comunicar com outras estações, aciona um equipamento que contém válvulas. De qualquer modo, uma grande obra, que de quebra ainda nos brinda com um ensaio fictício de filosofia da ciência ao explicar como foi a exploração do planeta Solaris.
Certamente uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos!

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Solaris

por Stanislaw Lem

Círculo do Livro (Brasil)

tradução de Reinaldo Guarany

1987

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