The Physiognomy
por Jeffrey Ford
uma crítica de Luís Rodrigues
publicada em 02.10.2001
republicada em 06.08.2003
Tenho sentimentos contraditórios acerca do romance de fantasia científica de Jeffrey Ford, The Physiognomy. Embora o classifique acima da média, não deixa de ser frustrante ler um livro com tanto potencial desperdiçado tão desnecessariamente: Jeffrey Ford tem boas ideias mas não gostei do modo como lidou com muitas elas. Falarei das minhas queixas num minuto, por isso continue a ler.
Para esta crítica, dividi o romance em três partes. O acto um é, na minha modesta opinião, o melhor do livro. Aqui presenciamos o envio de Cley, fisionomista de renome da Cidade Bem Construída - a criação urbana do génio e suserano Drachton Below -, às paisagens rurais na fronteira do mundo conhecido numa missão trivial que ele não está muito satisfeito por ter de cumprir. Cley é um homem cruel e pretensioso, inteligente mas ao mesmo tempo cego pela sua própria sabedoria e pela dependência a uma droga conhecida por Pura Beleza. Com esta personalidade encantadora não é surpresa que Cley descarregue as suas frustrações sobre os pobres camponeses, quem ele classifica como criaturas patéticas após breve exame das suas características fisionómicas. Jeffrey Ford demonstra grande talento para o humor negro na sua representação de Cley, mas é pena que tal somente se verifique nesta primeira parte. É verdade que Cley não é uma personagem com quem seja fácil o leitor identificar-se, mas mesmo assim gostei bastante dele nesta fase. Pois batam-me, se quiserem.
Cley é ainda talvez a única personagem bem desenvolvida em The Physiognomy, enquanto todas as outras parecem bidimensionais em comparação. Contudo e infelizmente para ele, as coisas vão mudar.
A história começa a perder qualidade a partir daqui. Por sorte não entra na Zona Proibida do Péssimo, mas mesmo assim perde qualidade. Para começar, por vezes os eventos sucedem-se demasiado depressa, em especial a partir do segundo acto. Jeffrey Ford parece estar com pressa para acabar o livro, e as parcas 244 páginas contribuem para essa impressão.
Durante a segunda parte do romance, Cley enfrenta uma série de situações que o transformam de forma gradual numa pessoa mais aprazível. Talvez porque a narrativa parece tão acelerada, esta metamorfose moral soou-me estranha. Não inverosímil, todavia estranha. Ou talvez seja o surrealismo do mundo em redor de Cley que me deu essa impressão, não sei. O que acho uma pena é que em resultado disto o protagonista torna-se insípido e começa a perder complexidade. Ups. Por outro lado, Jeffrey Ford escreve mais alguns conceitos brilhantes, menos que na primeira parte, mas pelo menos não tão malbaratados.
O último terço mostra-nos o regresso de Cley à Cidade Bem Construída de Drachton Below. Sem entrar em pormenores por causa dos spoilers, direi apenas que não gostei da mensagem anti-científica e meio-tola do romance, como também não gostei de ver Cley feito um idiota no final. No que me diz respeito, a cotação desce um furo aqui, embora compreenda que a opinião de outras pessoas possa variar.
Como mencionei no início da crítica, The Physiognomy exibe bastantes ideias de primeira água - para aguçar o apetite do leitor falarei apenas do animal de estimação de Drachton Below, um lobisomem animado por um mecanismo de corda. Infelizmente, Ford deixa um rasto de ideias sub-desenvolvidas para trás, explorando ao invés uma expedição ao Paraíso em maior detalhe que eu acharia desejável. O resultado disto é que Ford acaba por matar todo o fascínio da ideia para nada, e a qualquer autor que o faça sem uma boa razão para tal dá-me vontade de cortar um ou dois pontos da cotação do livro.
Então, quando chegar a altura de encher o carrinho de compras, valerá a pena levar este livrinho para casa? Eu diria que sim. The Physiognomy proporciona uma leitura original e interessante apesar de todas as imperfeições, a edição em capa mole é barata, e tudo não deverá levar mais que uma tarde de ócio para ler. Pessoalmente, encorajo o leitor a experimentar. Pode até ser que goste mais deste livro do que eu.
Cotação: 3/5
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