R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Perdido Street Station

por China Miéville

uma crítica de Luís Rodrigues

publicada em 19.09.2001

republicada em 05.06.2003

Qualquer admirador de Philip K. Dick saberá com certeza o que pretendo dizer quando falo de um escritor dotado de uma imaginação prodigiosa. O Britânico China Miéville, o génio por detrás de Perdido Street Station, é um desses autores.
Com King Rat, o seu primeiro romance, já o autor havia dado mostras de uma imaginação e qualidades narrativas fora do comum. Mas neste segundo livro, Miéville surpreende-nos ao superar com uma considerável margem o já se si excelente King Rat, e deixando-nos cheios de expectativa em relação a futuros trabalhos.
Em Perdido Street Station, Miéville deixa o underground Londrino e leva-nos à suja e labiríntica New Crobuzon, uma metrópole imaginária inspirada pela opulência arquitectónica de Gormenghast e os panoramas sombrios e pessimistas do cyberpunk. Sob o pulso de ferro de um Parlamento corrupto e a sua implacável Milícia, coabitam aqui humanos e as mais variadas espécies de mutantes, bem como os grotescos Remade, criminosos condenados a dolorosas e por vezes irreversíveis desfigurações.
Dos cactos humanóides sob a grande cúpula de vidro que encerra o seu gueto, à enigmática aranha gigante responsável pela coesão da realidade, é impossível reconhecer as trivialidades a que grande parte dos escritores de Fantasia nos têm infelizmente vindo a habituar desde Tolkien. China Miéville propõe abalar as fundações do género, não dando tréguas a conceitos estereotipados e apresentando-nos um mundo brutal que não deixa de fascinar pela riqueza do seu conteúdo.
É neste cenário que o protagonista de Perdido Street Station, o cientista amador Isaac Dan der Grimnebulin, é interrompido do seu trabalho pela chegada de um garuda, um homem-pássaro desesperado por recuperar a capacidade de voo após ter perdido ambas as asas. Porém na sua tentativa de ajudar o forasteiro, Isaac acaba por libertar uma criatura de pesadelo sobre a cidade, um desmesurado insecto transdimensional que é também um piscar de olho aos horrores cósmicos de H. P. Lovecraft.
Determinado a desfazer o erro cometido, Isaac recruta o auxílio da sua amante khepri (uma mulher cuja cabeça é um enorme escaravelho) e do seu desajustado conjunto de amigos, e mais tarde a de um grupo de aventureiros psicóticos que mais parecem saídos de um jogo de Dungeons & Dragons.
Ao longo de mais de 700 páginas, os anti-heróis de Perdido Street Station movimentam-se pela miríade de cenários fantásticos que compõem New Crobuzon, a própria cidade uma personagem no seu direito, e travam conhecimento com inúmeros e peculiares indivíduos. E de cada um destes elementos brota uma nova história, tanto pela mão dos poderes descritivos de Miéville como pelo estímulo intenso à imaginação do leitor. O ritmo a que estas ideias aparecem é por vezes avassalador, e mantém o leitor atento a toda e qualquer palavra, ao invés de apenas proporcionar ao livro palavreado vazio. Cada página concede uma dimensão extra de profundidade e maravilha ao universo de Perdido Street Station, seja para descrever o assassino de massas que rouba os olhos às suas vítimas, ou rumores das torturas aplicadas aos Remade, ou mesmo a menção às colossais ossadas de uma criatura pré-histórica que se erguem bem acima do prédio mais alto da cidade.
Ao leitor que decida apostar neste novo e quase desconhecido (mas não por muito tempo) autor, garanto que não se arrependerá. Logo desde o primeiro parágrafo de Perdido Street Station terá assegurada uma viagem extraordinária e sem bocejos por um mundo rico de Fantasia virada do avesso.

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 Perdido Street  Station

por China Miéville

Macmillan (Reino Unido)

2000

 Luís Rodrigues  editou:

 

Breaking Windows, a Fantastic Metropolis Sampler

Prime Books UK (Reino Unido)

2003

Críticas de Luís Rodrigues

Fantastic Metropolis