R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Hestia

por C. J. Cherryh

uma crítica de António Martins-Tuválkin

publicada em 16.04.2005

Hestia é um curto romance de menos de 200 páginas. Uma leitura simples, só dificultada pela aparente falta de um capítulo entre o 4º e o 5º, para um enredo sólido, ainda que algo previsível.
Deixamos de lado a inverosimilhança do enquadramento biológico — que aparentemente continua a não "suspender a descrença" de tantos aFiCcionados perante obras similares, tanto hoje como na já longínqua década de 1980, que viu nascer esta obra:
Héstia é um planeta entre muitos, de "tipo Terra", com uma geografia e ecologia análogas. A sua colonização foi um empreendimento de pouco sucesso e um século depois a miséria está firmemente instalada, numa sociedade agrícola rude, egoísta e corrupta.
Sam Merrit, engenheiro terrestre, veio numa nave de comércio para «ajudar esta gente» e envolve-se a fundo mas a contra-gosto na construção de uma barragem. Entre os hestianos faz amigos, amigas e inimigos. Estes hestianos incluem, note-se, tanto os colonos de origem terrestre como uma espécie local, "sentiente" mas primitiva.
Reencontramos a atmosfera de, para não irmos mais longe, Decisão em Doona e de Floresta é nome do Mundo (estando esta obra a meio da gama de qualidade extremada por aquelas duas...).
É uma receita batida, mas que possibilita sempre uma abordagem nova e diferente nos detalhes. Assim é com este Sam Merrit, que nutre sentimentos contraditórios em relação ao seu empreendimento, à sobrevivência da colónia, ao seu direito de "desinquietar" a filha do chefe... Certo apenas da necessidade imperiosa de preservar os autóctones (o que é posto em causa pela restante população humana), é um personagem razoavelmente complexo, sem a platitude assexuada dos heróis de Verne e Tolkien, e muitos furos acima dos canastrões clonados das obras de Heinlein.
O ambiente planetário de Héstia — o vale agrícola, a floresta nas terras altas, o rio vasto —, é paradoxalmente claustrofóbico, qual cenografia minimalista, à custa da avareza do autor em pormenores "paisagísticos". O oceano é referido só de fugida, e não se fala em outros continentes, no clima global, ou em perspectivas alternativas de colonização. Só o rio, mas não como na obra de Farmer... Em comparação, a bacia do Juliffe, no Lalonde de Hamilton, é de uma realidade quase sensorial.
Chumbado em enquadramento, tanto na nota técnica como na artística, Cherryh revela-se melhor em diálogo, enredo e caracterização de personagens. O percurso de Sam, determinado e trágico, é simultaneamente previsível e rico em nuanças. Segue-o entre um elenco variado e interessante, com uma quantidade de personagens "esculpidas" que é quase luxuosa numa obra tão circunscrita e pouco ambiciosa.
A apreciação final é claramente positiva se não tivermos expectativas elevadas. Um pequeno romance, "limpo", que prende durante e faz pensar depois.
A tradução não é particularmente inspirada, mas não apresenta as "calinadas" da praxe. A edição, inserida numa série onde se misturam terror, policial, western (!) e FC, está ao nível dos Argonautas contemporâneos, fora a capa que, apesar de ingénua, aguenta já um mínimo de comparação com o habitual estrangeiro. (Nesta colecção também Tron, de Brian Daley, e O Enciclopedista, de John Brunner).

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Hestia

por C. J. Cherryh

Europress

colecção Bolso Noite, nº 7

tradução de Carlos Oliveira e Teresa Curvelo

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Críticas de António Martins-Tuválkin