R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

O Crocodilo

por Fiódor Dostoiévski

uma crítica de Alexandre Beluco

publicada em 26.07.2003

O conto O crocodilo foi publicado no Brasil em um volume que também traz Notas de inverno sobre impressões de verão. Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski os escreveu respectivamente em 1864 e no inverno de 1862/1863. Notas de inverno... reúne apontamentos sobre uma viagem à Alemanha, à França e à Inglaterra. O crocodilo, por sua vez, é um conto fantástico inacabado, escrito quando Dostoiévski contava 43 anos e ainda estavam por escrever todas as suas grandes obras.
Conforme Boris Schnaiderman, o tradutor, explica no prefácio, Dostoiévski anotaria em seu Diário de um escritor, quase nove anos mais tarde, que lhe havia dado “na veneta escrever um conto fantástico, uma espécie de imitação da novela de Gógol O nariz. Nunca tentara até então o gênero fantástico. Era pura brincadeira literária, unicamente para rir. Imaginei realmente algumas situações cômicas, que eu quis desenvolver.”
O crocodilo conta como um funcionário público, Ivan Matviéitch, que queria apenas visitar com sua esposa, Ielena Ivânovna, um crocodilo em exposição, acaba sendo engolido pelo animal. A estória é narrada por Siemión Siemiônitch, um colega de trabalho. O engolimento é “tranqüilo” e o funcionário consegue permanecer vivo.
Os problemas surgem quando o dono do crocodilo, um alemão, acompanhado de sua mãe, não aceita vender o crocodilo para salvar Ivan, passando a considerá-lo também de sua propriedade. O crocodilo adicionado de sua carga passa a ser uma atração com novos ingredientes para o público.
Além disso, Siemión, que visita o amigo engolido (que continua conseguindo conversar com os amigos), tem que agüentar o crescente espírito megalomaníaco de alguém que se imagina tendo uma missão, apresentada no momento do engolimento. Mas Siemión suporta esse alto custo, já que tem interesses por Ielena.
O conto abre espaço para uma eficiente sátira à burocracia vigente, quando Siemión busca ajuda para seu amigo. Todos parecem discutir demais sobre a possível salvação de Ivan, quando na verdade deviam agir rapidamente para devolvê-lo à vida normal e enfim salvá-lo, na medida em que sua segurança não está garantida.
A situação vivida pelo Império Russo naquela época é semelhante à situação atual, lá e em muitos outros lugares, inclusive no Brasil. Um país que precisa modernizar-se mas que já não tem mais tempo para passar por todos os estágios de modernização que os países mais avançados atravessaram.
Os elementos fantásticos... o engolimento de Ivan pelo crocodilo e sua descrição do interior do mamífero, como as personagens se referem ao réptil, o é com certeza. Mas fantástico também seria o desinteresse de quase todos por salvar Ivan, o engolido, maior mesmo que seu interesse por conhecer um animal dos trópicos, ainda mais depois de ter engolido um funcionário público.
Certamente um precursor de A metamorfose, de Kafka, escrito quase meio século antes.

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O Crocodilo e Notas de Inverno sobre Impressões de Verão

por Fiódor Dostoiévski

Editora 34 (Brasil)

Colecção Leste, nº 9

tradução de Boris Schnaiderman

2001

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