O Sorriso do Lagarto
por João Ubaldo Ribeiro
uma crítica de Octávio Aragão
publicada em 22.11.2001
republicada em 03.07.2003
Acabo de ler o romance de João Ubaldo Ribeiro, O Sorriso do Lagarto, editora Record, 1989.
Trata-se de ficção científica, sim, senhores. Sei que volta e meia encho o saco de todo mundo com aforismos do tipo "Tudo é FC", e outros, mas, no caso, analisando friamente, este livro é, efetivamente, um romance de gênero.
Eu já desconfiava, apesar de não haver assistido à série homônima de TV, produzida pela Rede Globo anos atrás, que - ao se juntar temas tão caros à contemporaneidade como engenharia genética e experimentos biológicos em populações do terceiro mundo - o livro resultante não poderia escapar de ser, ao menos, um tipo de FC com afinidades (e citações explícitas) com o Admirável Mundo Novo, de Huxley.
Quem me conhece sabe que sou um emérito fã do João Ubaldo, leio semanalmente sua coluna nos jornais e estava doido para ler esse livro. Como se diz aqui no Brasil, fui para o jogo "vendido", disposto a gostar de tudo e saí 50% decepcionado. Por quê?
É bom, o livro? Sim, trata-se de um "page turner". A história é boa? Não para mim. Trata-se de um apanhado de situações-clichê (tem até aquela cena clássica, imortalizada pelo cinemão hollywoodiano e pelas novelas da televisão, da queda da escadaria provocando um aborto providencial) muito bem encadeadas e recheadas de diálogos primorosos. A história, aqui, é um fiapo, uma desculpa para um desfile de opiniões do autor a respeito dos mais diversos assuntos, de racismo a política, de ecologia a drogas, através das bocas de seus personagens.
Por falar em personagens, as construções não me cairam muito bem, apesar da belíssima descrição física e da individualização, mas, vejamos, os protagonistas um biólogo fracassado, transformado em peixeiro; um padre de vilarejo com crises de consciência e uma dondoca de sociedade com personalidade fraturada, espécie de mistura entre Jackeline Susann e alguma socialite da Barra da Tijuca; são um déjá vu só. Os vilões, então, não ficam atrás! O político mau-caráter e homossexual enrustido; o cientista com trejeitos de Lex Luthor... um festival de "dê-já-vi-isto" apesar de, sempre, donos de vozes poderosas e convictas! Há, porém, uma ressalva o pai-de-santo culto e descrente dos próprios poderes é um achado! Bará, o Santinho, com sua fala empolada e "ética profissional" é um coadjuvante excepcionalmente bem construído, daqueles que deixam saudades ao fim da leitura.
O que deveria ser a trama central é uma versão mulata de A Ilha do Dr. Moreau, onde um laboratório, com a supervisão subreptícia de empresas norte-americanas, fazem experiências in-vitro com mulheres da população de uma ilha no litoral do nordeste brasileiro, produzindo híbridos de homens e macacos. Na página 149, o padre fica sabendo da existência dos tais monstros até então nunca citados. Por volta da página 280, os protagonistas saem em ação para combater o que acreditam ser o mal. Na página 362 acaba o romance. O resto conta como quase todos os personagens (à exceção do padre, que meu olho mental insiste em ver na figura do ator Nelson Xavier, do pai-de-santo e mais uns poucos) se relacionam sexualmente uns com os outros. Creio que o leitor tradicional de FC, púdico, vai ficar absolutamente chocado... e isso é um ponto positivo!
Vale a pena ler? Sim, sem dúvida. João Ubaldo Ribeiro escreve muito bem e, por mais que se possa discordar de suas idéias, é impossível largar o livro antes do fim.
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