Intempol
editado por Octávio Aragão
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 11.02.2002
republicada em 02.07.2003
Este livro é bastante mais que um livro: é um ensaio geral.
Conforme o próprio Octávio Aragão conta num artigo seu publicado no E-nigma, quando escreveu o primeiro conto da Intempol ( Eu Matei Paolo Rossi) estava bem longe de imaginar que a "empresa" se iria estender e ramificar tanto. Esta colectânea é apenas uma dessas ramificações, embora seja uma das mais importantes.
Em Intempol juntam-se 8 autores, novatos e consagrados, para produzir 11 histórias (ou 10, com uma delas dividida ao meio) num universo único, caracterizado pela existência de uma polícia do tempo, a Intempol, corruptíssima e brasileiríssima. A inspiração está assumidamente na Time Patrol, de Poul Anderson, mas o ponto fulcral de todo o esforço é uma tentativa de adaptação da ideia à realidade brasileira, tal como foi, aliás, delineado no conto inaugural do Octávio, também incluído neste livro.
O livro pode ler-se como uma antologia vulgar, ou pode ler-se como um romance colectivo. Isto porque a história de Lúcio Manfredi que abre e fecha o livro funciona como parêntesis. É uma história que diz que "aconteceu isto, e depois aconteceu aquilo", mas entre o isto e o aquilo passaram-se todas as outras histórias do volume. Mas não é só o Manfredi a dar unidade ao volume: as duas histórias de Jorge Nunes estão ligadas entre si, e nas duas últimas histórias de vulto, Vingança da Ampulheta, de Fábio Fernandes, e São os Deuses Crononautas?, de Gerson Lodi-Ribeiro, nota-se uma grande preocupação em amarrar pontas e dar coerência ao universo.
Aqui reside, paradoxalmente, uma das fraquezas deste livro. Quer o Fábio quer o Gerson deixam por vezes de contar a sua própria história porque procuram a todo o custo juntar as dos outros. Em A Vingança da Ampulheta, por exemplo, o aparecimento do personagem Paulo Carvalho é forçado e desnecessário para aquela história, só servindo para reutilizar um personagem proveniente de outras histórias, e, portanto, dar-lhes alguma continuidade. Mas ao enfraquecer as histórias respectivas, esta preocupação excessiva de coerência enfraquece o livro como um todo.
Mesmo assim, o livro resulta. Os autores dominam em geral bem a língua portuguesa (a única excepção é o Paulo Elache, cujo conto Questão de Ponto de Vista destoa por ter uma qualidade literária bem abaixo da dos restantes - mas é estreia, e nota-se que há capacidade no Elache para ir bastante além do que mostrou aqui), e fazem bem aquilo que se propuseram fazer: histórias repletas de acção e movimento, em que se brinca descaradamente com os paradoxos temporais, com a história do nosso mundo e com as instituições que supostamente servem para fazer cumprir a lei, seja ela qual for. Não há, em Intempol, grande literatura, mas não é esse o objectivo. Aquilo que se quis fazer, fez-se: um livro divertido e em geral bem feito, que se lê com facilidade e que se fica satisfeito ao acabar.
Nem os erros de formatação ou revisão, que há alguns, estragam o conjunto. Aquela sinalefa irritante de marca registada que aparece junto à palavra "intempol" em alguns dos contos é que quase estraga uma boa parte do livro. Uma obra de ficção não é lugar para marcas registadas. Se se pretende que o leitor mergulhe na história, não se deve arrancá-lo dela abruptamente com lembretes de que no Mundo Real (TM) a Intempol é (R). Está certo, ela vai além do livro, mas o livro é um livro, não papel de embrulho para um projecto maior.
Falei logo a abrir de ensaio geral. Contradições?
Não. É que a importância maior deste livro, para lá daquilo que ele vale por si próprio, é precisamente permitir sondar águas para a capacidade de implantação de mais produtos Intempol no mercado. Mas o livro tem uma voz própria e é um produto cultural único. E é como produto cultural único que tem de ser avaliado.
A Intempol, como um todo, pelo entusiasmo dos que nela estão envolvidos, pelo aspecto lúdico que envolve, pelo gosto que os autores põem nas suas obras, pela renovação que vem provocando na FC brasileira, tem um longo futuro à sua frente. E, nesse caso, mesmo com as suas falhas, este livro tornar-se-á histórico. Um livro a ler, e provavelmente reler.
Mas tem falhas, e algumas importantes. E, por isso, só lhe dou 3 bolinhas. Um 3 alto, quase a chegar ao 4. Mas um 3.
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