R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Sci-Fi News Contos, nº 1

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 02.10.2001

republicada em 19.09.2003

A Sci-Fi News Contos, ao contrário de outras publicações que apareceram no género, é uma revista com tudo aquilo que faz uma revista sê-lo.
São 50 páginas de uma produção visualmente cuidada, com notícias, entrevistas, artigos e pequenas resenhas de livros mais estrangeiros que brasileiros.
A comparação inevitável para qualquer português que tenha estado em contacto recente com as edições portuguesas é com o Paradoxo. E a Sci-Fi News Contos arrasa em quase todos os domínios. O preço, que corresponde a pouco mais de 400$00, é pouco mais de metade; a qualidade do papel e da impressão não tem comparação, o profissionalismo envolvido na sua edição idem aspas.
Mas não está isenta de defeitos, mesmo assim... vamos por partes.
O número 1 contém como prato principal a noveleta "A Filha do Predador", de Daniel Alvarez, vencedora do prémio Nautilus e já editada antes, independentemente, pela Writers. Até aqui tudo bem: a história é uma boa história de FC hard, embora algo "space-operática" demais para o meu gosto. O problema é aquele fundo de página horroroso que torna o texto quase ilegível. Este é um defeito grave. Numa revista em que o texto não tem grande importância compreende-se o uso de fundos para dar um maior impacto visual ao produto, especialmente se se usar um tipo de letra com um tamanho razoável. Mas numa revista em que o texto é o centro de tudo, torná-lo quase ilegível é... bem... acho que a única palavra adequada é mesmo "estúpido"...
Ainda por cima o fundo só aparece nos textos com a letrinha mais pequenina e mais literários, precisamente os dois textos de ficção, aquilo que dá motivo para o nome de "Contos" da revista.
É muito, mas muito má ideia...
Além d'"A Filha do Predador", o outro texto de ficção que surge na revista é um fan-fiction ambientado no universo dos X-Files, também grandote (deve andar pelos tamanhos mais baixos da noveleta). Pouca foi a fan-fiction que li até hoje, e a que li era invariavelmente péssima. Esta, "A Batalha dos Deuses" de Silvia Helena Penhalbel, não é excepção, mesmo que se considerarmos apenas o uso do português a coisa até nem esteja muito má. Mas o enredo é entre frágil e inexistente, espalham-se inconsistências lógicas por todo o lado, e é no geral tão pobre que quando se chega ao fim (a duras penas) fica-se com a impressão de que tudo aquilo só serviu mesmo para a autora explicar o que acha que deveriam ser as relações entre Scully e Mulder. Enfim...
Quanto ao resto, é de um modo geral interessante e bem feito: uma entrevista curiosa a um autor de fantasia brasileiro, notícias que seriam mais relevantes para uma revista "Contos" se se afastassem mais do cinema, um artigo sobre Asimov que só peca por algum excesso de elogios, um outro artigo sobre os argumentistas dos X-Files, este muito interessante até porque descobre um modo inteligente de integrar material proveniente da TV e do cinema numa revista literária, o inevitável artigo sobre o Potter, um artigo sobre o Blade Runner enquanto livro (Do Androids Dream of Electric Sheep, Blade Runner na tradução portuguesa, O Caçador de Andróides na brasileira) e três páginas de resenhas. Ah, e um artigo de opinião sobre as virtualidades da leitura. Um conjunto sem grande análise, algo superficial, mas digno e que não deslustra.
A apreciação geral é, portanto, positiva. Erros de palmatória só um: a questão do fundo das páginas. Este é muito urgente corrigir. Quanto ao resto, é questão de adequar o produto ao público-alvo. Se o público-alvo é pouco sofisticado, dar-lhe grandes profundidades seria, com toda a probabilidade, contraproducente. Se o público, pelo contrário, exigir mais, há no Brasil quem seja capaz de dar mais, seja em termos de ficção, seja em termos de não-ficção.
De qualquer forma, é importante manter num patamar elevado a qualidade da ficção, porque esta pode segurar por si só uma faixa mais exigente dos consumidores. Nem sempre haverá noveletas premiadas disponíveis para publicar, mas não há nenhuma necessidade de publicar fan-fictions compridas e chatas que o leitor habitual de FC folheia e passa à frente. É uma ideia deixada à consideração dos responsáveis pelos conteúdos da revista.

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Sci-Fi News Contos, nº 1

Meia Sete Editora (Brasil)

Agosto de 2001

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e escreveu a introdução e os contos:

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