R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Nascidos nas Estrelas

por Robert Silverberg

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 16.07.2003

A contra-capa deste livro contém alguns "blurbs" que passo a citar: "Robert Silverberg é capaz de maravilhas que ultrapassam as do comum dos mortais", ter-se-á dito na The Washington Post Book World; "A habilidade e a ingenuidade [sic!] de Silverberg permanecem inabaláveis após mais de 40 anos de obras publicadas", terá clamado o Chicago Sun-Times; "Onde Robert Silverberg vai hoje, a ficção científica estará amanhã", terá dito, supostamente há muitos anos, o seu velho amigo Isaac Asimov; "Um mestre da sua arte e imaginação", terá sido a definição dada pelo Los Angeles Times.
OK, descontando-se o elogio amigo de Asimov, há que dizer que é verdade que Silverberg é capaz das maravilhas do Washington Post e é realmente o mestre do Los Angeles Times. Algumas das suas histórias modernas provam também que o que se disse no Chicago Sun-Times é verdade. Mas, infelizmente, Nascidos nas Estrelas está muito longe de ser uma dessas histórias.
Trata-se de um romance de exploração espacial, centrado na relação entre o capitão da nave Wotan e Noelle, uma mulher cega mas sensitiva, capaz de comunicação telepática com a sua irmã gémea, que ficou na Terra, uma comunicação que se desenrola a princípio sem problemas, mesmo através de muitos anos-luz e a partir de algo de semelhante ao hiperspaço (o "intermúndio"), e que não obedece à relatividade: é instantânea. A Wotan partiu do Sistema Solar, com uma tripulação adequadamente heterogénea, em busca de novas Terras que possam encontrar-se algures, girando em torno de uma de várias estrelas que à partida foram consideradas promissoras. A ideia é tanto a da criação de uma colónia humana longe do planeta natal, como a recuperação de algum entusiasmo pelo futuro na própria Terra, onde a humanidade tinha mergulhado, século XXI já adiantado, numa letargia preocupante, sem objectivos, sem um rumo a seguir. A Wotan é, assim, encarada pelos que ficam como a última esperança da espécie humana.
Se ao lerem isto a sensação é de dejà vu, estão no comprimento de onda certo.
Porque Nascidos nas Estrelas é um cliché de 260 páginas, um romance anacrónico, fora de moda há décadas, que já foi escrito muitas vezes por muitos autores, e frequentemente melhor do que este resultado do trabalho de Silverberg. Como novidade muito relativa, tem este romance apenas a ideia de que algo prejudica os esforços de colonização dos planetas, algo que provoca uma resistência psicológica intolerável, algo que nunca se chega a perceber bem o que é, mas que pode ser algo como... a psique hostil à espécie humana dos próprios planetas e estrelas.
OK, é verdade que Silverberg nunca foi grande partidário do materialismo que a FC mais dura exige. As suas histórias nunca hesitaram em entrar em terrenos próximos ao misticismo, à fábula e à fantasia, terrenos onde a magia se tem de ter tão em conta como a geografia. Mas, se em livros como As Crónicas de Majipoor ou O Filho do Homem, esses terrenos prestam um serviço às histórias respectivas, emprestando-lhes uma dinâmica que não teriam sem eles, aqui, pelo contrário, a história só perde com esse tipo de abordagem. E perde muito.
É que a ideia de que as estrelas e os planetas são seres vivos e conscientes não é uma ideia nova. Longe disso, é uma ideia que encheu páginas e mais páginas de FC de segunda categoria (ou terceira, ou quarta) durante a New Wave, e é parte daquilo que acabou por desacreditar aquele movimento junto de muitos leitores do género. São noções muito hippy, muito LSD, muito peace and love and pot and flowers. Muito anos 60. Muito anos 60.
E é isso que Silverberg faz, com Nascidos nas Estrelas: uma viagem no tempo desde 1996, ano em que publicou este romance, até aos já longínquos anos 60, quando ele era, de facto, uma estrela muito brilhante no firmamento dos autores de género. Então, Silverberg inovava a cada história, surfava a crista da onda da FC anglo-saxónica, controlava-a e ajudava a conduzi-la com histórias por vezes geniais. Com Nascidos nas Estrelas, pelo contrário, limita-se a flutuar no remanso, remoendo ideias antigas e parecendo evitar a todo o custo a mais pequena centelha de génio.
Nem mesmo literariamente o livro é interessante. Intimista quase a chegar ao umbiguismo, virado para dentro e não para fora, a incongruência com a ousadia aparente no acto de exploração e enfrentamento dos perigos a ela inerentes chega quase a chocar. Para piorar as coisas, há alguns infodumps despejados sem cuidado para dentro do romance, que só conseguem tornar ainda mais penoso o fluir da leitura.
E para piorar ainda mais as coisas, a tradução é fraquinha, muito fraquinha.
Pontos positivos: o facto de a Bertrand ter publicado FC numa edição cuidada e bem mais barata que algumas edições da concorrência, muito pouco tempo depois de o romance ter sido publicado nos Estados Unidos, e uma óptima capa. Pena é, apenas (e é mais que suficiente!), que o conteúdo seja tão fraco.
Em resumo: duas estrelas. E estou a ser simpático.

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Nascidos nas Estrelas

por Robert Silverberg

Livraria Bertrand

colecção Grandes Romances, nº 32

tradução de Maria José Santos

1997

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