Regresso das Cinzas
por Ray Bradbury
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 31.08.2006
Existe já há muito, na FC&F de língua inglesa, uma tendência para juntar contos escritos mais ou menos no mesmo universo ficcional e publicados independentemente uns dos outros em revistas e colectâneas, e amalgamá-los em romances, acrescentando-lhes o que tiver de ser acrescentado ou fazendo as alterações que forem necessárias para que dessa amálgama saia realmente um romance e não uma série desconexa de textos mais ou menos sobre um mesmo assunto. Este tipo de livro conhece-se como fix-up, e são relativamente comuns nos autores de contos e novelas mais prolíficos. Por vezes, o resultado obtém uma sinergia muito especial dos textos que são reunidos e ultrapassa-os a todos em qualidade, doutras vezes, bem pelo contrário, seria melhor que o fix-up nunca tivesse sido feito.
Bradbury tem alguns fix-ups construídos desta forma. Dois deles são uma obras-primas: as Crónicas Marcianas e O Homem Ilustrado. Mas este Regresso das Cinzas está muito longe disso.
O tema aqui é a Família Elliott, uma invulgar família de seres sobrenaturais que habitam um velho casarão algures na América, baseada na família que o próprio Bradbury teve, em criança, uma galeria de bondosos monstros, que se vão retirando melancolicamente do mundo à medida que a racionalidade afasta os medos que lhes dão uma razão de ser. Bradbury foi espalhando contos da Família Elliott por uma série de outros livros seus (podem ser encontrados, entre outros, em O País de Outubro, ou O Homem Ilustrado), depois de os ter publicado originalmente em revistas. Alguns destes contos são excelentes exemplos de uma forma muito bradburiana de escrever uma espécie de horror amável, um horror em que o medo é temperado pela doçura, e acabaram mesmo por servir de inspiração à Família Adams, onde se pode encontrar a mesma heterogénea galeria de monstros bondosos, se bem que aí o objectivo principal seja o humor. Em 2001, decidiu juntá-los a todos. Não os tinha em número suficiente para encher um volume e por isso cerca de metade de From the Dust Returned (título original deste livro) é material novo, escrito de propósito para ele.
Infelizmente, ou os contos originais não se adaptavam bem uns aos outros, ou o material novo não tem a qualidade do antigo ou ambas as coisas. Porque Regresso das Cinzas é uma história sem história, em que até a linha condutora da decadência da Família, que seria uma forma possível de dar ao livro uma espinha dorsal, é no máximo ténue e as mais das vezes parece apenas esboçada. As coisas não parecem conjugar-se, e em vez do desejado romance, acaba-se a leitura do livro com a sensação de que se acabou de ler uma série de textos dispersos e algo contraditórios entre si.
Se dividirmos Regresso das Cinzas nas suas partes componentes, temos de dizer que tem alguns contos excelentes. No Expresso do Oriente, por exemplo, ou Regresso a Casa, ou O Tio Einar. Ou mais alguns. Mas a questão, nos fix-ups, é precisamente tentar esconder que se trata de um conjunto de textos dispersos, e aqui o livro falha redondamente. Por isso, apesar de uma qualidade de texto típica da prosa cheia de poesia de Bradbury e de uma tradução invulgarmente boa para aquilo que a Europa-América nos tem acostumado, não posso dar a este livro mais do que:
★★★
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