R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Nós

por Eugene Zamiatin

uma crítica de Alexandre Beluco

publicada em 29.03.2002

republicada em 26.10.2003

O livro Nós, de Eugene Zamiatin, é um romance antecipatório. Ele foi escrito em 1920 e conta a estória de pessoas vivendo em um futuro em que o governo é autoritário e em que alguém controla a vida de todos.
É antecipatório no sentido de tratar de temas recorrentes desde o início do século passado e por um certo clima (pode-se dizer "kafkiano") que percorreu a Europa nos anos que antecederam a Segunda Grande Guerra.
Algumas frases do livro são bastante eloqüentes, como: "Não existe uma revolução definitiva, as revoluções devem ser infinitas. Uma revolução final é para crianças... elas temem o infinito e é importante que durmam tranqüilas à noite." Ou: "Não quero que alguém queira por mim. Quero querer por mim mesma." Ou ainda: "Derrubaremos todas as paredes para deixar a aragem renovadora soprar livremente de um extremo a outro da Terra."
Alguns elementos de Nós inspiraram, entre outros, Aldous Huxley em Admirável mundo novo e George Orwell em 1984. As personagens têm horas marcadas para empreenderem esforços de procriação, em contatos extremamente impessoais. E em 1984 ficou famoso um trecho em que a personagem principal mantém relações sexuais com uma moça, e o faz executando um ato político.
Em 1984 vivem à mercê de um Grande Irmão, no caso de Nós um Benfeitor, sempre presente. Em Nós os prédios são transparentes, e os moradores têm permissão de fechar cortinas apenas durante os encontros íntimos. Em 1984 existem as telas de vídeo.
Em Nós, o governo, o Estado Uno, como o denominam, se refere aos mortos na revolução como "números" perdidos, já que as pessoas não recebem nomes, mas números. Os personagens principais da estória são D-503, I-330, U, O-90.
A estória consiste em uma revolução sendo armada e deflagrada. O cotidiano e as causas da revolução emergem facilmente da narrativa. A personagem principal descobre-se a certa altura doente, e sua doença consiste no nascimento de uma alma.
Mas os homens do Benfeitor descobrem uma maneira de curar essa doença, em princípio tida como incurável. E extirpam-lhe a imaginação, a mutilação constituindo-se em uma cura para a humanidade e para a individualidade.
As personagens, que à primeira vista são lógicas e impessoais, talvez pela forma como se relacionam, na verdade constituem-se em ricas combinações de sentimentos humanos. D-503 é um matemático que não resiste aos seus mais profundos anseios e escreve a estória à qual nos referimos. O-90 é doce e meiga, e é o estopim para a detonação da alma de D-503.
O final é quase folhetinesco, mas não perde seu valor por ser um clássico. O herói é aparentemente vencido, tendo sido reduzido a um imbecil. Mas a muralha que circunda a cidade fora vencida e sua amante, grávida, conseguira fugir.
Ler esse livro pode parecer por vezes como assistir o filme Metrópolis, de Fritz Lang, depois de se ter assistido Blade Runner, de Ridley Scott. Mas, mesmo um tanto envelhecido, vale pelas antecipações. É como ouvir obras de Beethoven e seus contemporâneos e encontrar as origens de vários elementos básicos das trilhas sonoras de hoje em dia.

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Nós

por Eugene Zamiatin

Anima (Brasil)

tradução de Lya Alverga Wyler

1983

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