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Tendências e Desafios da Ficção Científica Brasileira

por Marcello Simão Branco

artigo publicado em 25.05.2005

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O objetivo deste artigo é uma tentativa de aclarar algumas idéias que venho pensando há algum tempo sem grande interlocução, a respeito de algumas características e rumos da ficção científica brasileira atual. Desde já ressalto que não pretendo ser o dono da razão e nem pontificar sobre as eventuais virtudes ou defeitos deste ou daquele escritor. A intenção é dar o pontapé inicial para um possível debate – que reconheço desde já como pouco provável –, entre os produtores e artistas do gênero no Brasil. Em todo o caso, com um texto como este, corro o risco de ser malhado ou mal compreendido, como alguns poucos já foram no passado. Paciência. O importante é que o propósito crítico é honesto e construtivo.
Não vou abordar o conjunto de trabalhos que nos acompanham deste o início da Segunda Onda. Quero me fixar em algumas peculiaridades identificáveis no período posterior à extinção da revista Isaac Asimov Magazine (1990-1992), ou seja, nos últimos onze anos. Este marco é especialmente importante, menos pelo motivo didático, mas sim pela possível virada de algumas tendências sobre temas e estilos dentro do gênero no Brasil.
Depois do fim da IAM é sabido que houve uma retração na quantidade de autores que escreveram ficção científica brasileira. Se tomarmos o conjunto dos que escreviam regularmente nos fanzines antes e aqueles que continuaram praticando depois, veremos que alguns bons autores abandonaram a pena, ou tornaram-se autores por demais intermitentes para prosseguir com uma carreira, mesmo que um fiapo dela. É bem verdade que parte daquela relativa grande quantidade de jovens autores que praticavam ficção nos fanzines, deixou o gênero por motivos outros também, mas o choque com o fim da revista se fez sentir.
Pois até uma quantidade razoável de autores surgidos com o Concurso Jerônymo Monteiro – promovido pela revista –, foram sumariamente perdidos. De exemplo prático tenho para citar emblematicamente Cid Fernandez que foi um dos finalistas. Quantos outros participantes, com colocação intermediária, mas com bom potencial, não devem ter sido desperdiçados?
Mas deixemos as especulações e nos concentremos em realidades concretas. A começar pelo próprio Fernandez, que depois de publicar sua noveleta Lost (1991) na IAM, foi visto apenas mais duas ou três vezes em uma década. Este é um exemplo daquilo que chamei acima de "autor intermitente" – ou "autor de fim de semana", na ferina observação que outro crítico fez recentemente. E olha que não estou sendo rigoroso, pois levo em conta o exercício e publicação nos fanzines, depois do fim da revista. E nem nesse critério, Fernandez consegue algo mais do que a pálida intermitência.
Alguns outros publicaram livros e depois pararam, como José dos Santos Fernandes e sua coletânea Do Outro Lado do Tempo (1991), que ficou sendo uma boa promessa a se desenvolver. Outro foi o paulista Henrique Flory, com sua boa coletânea A Pedra que Canta (1992), e seu romance passável, Projeto Evolução (1993). E o que falar do talentoso e performático Ivan Carlos Regina? Para todos os efeitos, ficou só em seu O Fruto Maduro da Civilização (1993), mesmo lembrando que há três anos ganhou o Prêmio Argos com o conto Sete Vezes Besta, Sete Vezes Homem (1999), além de publicar alguns contos, inclusive na antologia Outras Copas, Outros Mundos (1998). O que aconteceu com eles? Se alguns destes três autores – e outros que me desculpem a omissão – continuam escrevendo, guardam muito bem seus escritos em suas gavetas, pois nem nos fanzines ou nos websites têm aparecido.
Também temos o caso ímpar de Braulio Tavares. Ele é o melhor autor surgido nesta Segunda Onda, dono também da melhor obra, a coletânea dupla A Espinha Dorsal da Memória/Mundo Fantasmo (1996). Primeiro se afastou da ficção científica, indo escrever mais fantasia de tons ibero-medievais e borgeanos. E depois, simplesmente, não escreveu mais nada em termos de ficção, mesmo possuindo um certo prestígio entre editoras e a crítica mainstream. Ah, sim, isso pode mudar: Braulio tem um romance de ficção científica near future inédito, com alguma chance de ser publicado em 2004. Tomara.
Poderia me deter também em Ivanir Calado, mas este, um romancista dos mais competentes, tem na ficção científica um gênero extemporâneo, embora ainda presente vez por outra. Além do fato mais importante de que é – assim como o próprio Braulio –, um autor diluído em diversas atividades artísticas, sendo a literária, apenas uma delas.
Afinal, é possível que o projeto artístico de alguns deles tenha se encerrado. Mas prefiro acreditar que foram desestimulados pela falta de perspectiva profissional, melhor dizendo, pela falta de revista e de editora que publicasse ficção científica. Editora também, pois o fim dos anos 80 e início dos 90 viu ressurgir a coleção de ficção científica do editor Gumercindo Rocha Dorea. Apesar da tentativa idealista, acabou naufragando na falta de distribuição dos seus livros, além da falta de interesse dos seus leitores potenciais. Mas apontar a descontinuidade dos livros de ficção científica publicados pela GRD, como uma das vertentes da falta de estímulo para os autores brasileiros escreverem ficção científica é exagerar na dose. Afinal, ao contrário da IAM, a repercussão dos livros do lendário editor, era quase tão mínima como os fanzines. E a razão disso é a falta de distribuição já aventada, a pequena tiragem e a falta de divulgação dos livros nos jornais e revistas da grande imprensa.
Para não esquecer dos autores da chamada Primeira Onda ("Geração GRD"), o único mencionável é André Carneiro. Poeta de prestígio, reapareceu na ficção científica brasileira como cronista nos primeiros tempos do fanzine Somnium e depois tentou vôos ousados, passando de um contista excelente, de rara sensibilidade e sutileza crítica, para um romancista de enredo confuso e uma prosa estéril, asséptica. Sua coletânea A Máquina de Hyerônimus e Outras Histórias (1997), só confirma que ele é de fato, ao menos para a ficção científica, um dos nossos mais criativos e instigantes prosadores da forma curta.
Já os autores brasileiros que surgiram no início dos anos 80 e continuaram a escrever depois do fim da IAM, publicaram quase que exclusivamente nos fanzines – que coincidência ou não, também diminuíram em títulos, regularidade e tiragem –, pelo menos até fins dos anos 90, quando a editora Ano-Luz apareceu como uma última esperança, por causa da quase falência de publicação de ficção científica em nosso país. Depois de cinco anos de existência e quatro antologias temáticas publicadas, o efeito prático em termos de ganho de leitores é quase nulo, pelos mesmos problemas enfrentados antes pela GRD. Outro que tentou trilhar o caminho da edição com resultados igualmente pífios, foi Roberto de Sousa Causo, com uma boa antologia em uma editora também pequena, Estranhos Contatos (Caioá, 1998), edição de livrinhos em bancas e a revista Quark (2001).
De qualquer forma, se as revistas mostraram-se inviáveis, as antologias, pelo menos, estabelecem uma tradição que marca o gênero no Brasil, além de especializar certos temas a um nível inédito até mesmo no cenário internacional – como na antologia Outras Copas, Outros Mundos –, o que não deixa de ser um fato distintivo da ficção científica feita em nosso país.
Mas não é propriamente sobre a inexistência de um mercado editorial e seus efeitos diretos, que este artigo quer se centrar. E sim naquilo que os autores brasileiros de ficção científica vem escrevendo nestes últimos anos – em parte como efeito da ausência deste mercado editorial.

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