R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

FC Portuguesa — Literatura Filha de Pais Incógnitos

por Jorge Candeias

artigo publicado em 24.04.2005

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Nota prévia: Este artigo é o texto original do artigo publicado na revista Ler nº 52. Uma vez que foi escrito em 2002, está parcialmente obsoleto, mas dado o carácter fundamentalmente histórico do artigo essa obsolescência não é muito significativa e, assim, optámos por não o actualizar.
 
Comecemos pelo princípio: que é isso de FC portuguesa? Ou, ainda antes, será que existe tal coisa?
É que se já é difícil definir o que é, na realidade, a ficção científica, mais difícil se torna tentar encontrar aquilo que de português ela possa ter. Ou seja, que se entende quando se fala de literatura de FC portuguesa? FC feita em Portugal? FC feita por portugueses? Literatura portuguesa que recupera os temas da FC, mesmo que não seja FC, ou pelo menos aquilo que nos habituámos a considerar FC?
Usando uma abordagem restritiva que provavelmente seria a mais correcta, isto é, considerando que FC portuguesa é aquela ficção científica que aproveita as peculiaridades do povo que habita este rectângulo e da língua que o povo fala para fazer ficção científica, então a resposta é simples e o artigo poder-se-ia acabar aqui.
É que apesar de algumas tentativas nesse sentido de que se destacam a colectânea Quatro Andamentos, de Luís Sequeira, e o romance EuroNovela, de Miguel Vale de Almeida, ainda não se pode dizer que exista uma FC que trate temas portugueses explorando a língua portuguesa e as técnicas narrativas e tendências da literatura portuguesa como deveria fazer se fosse mesmo portuguesa.
Portanto, não se pode ser tão restritivo. Um artigo que ao fim de quatro parágrafos chega à conclusão que o seu objecto não existe não é grande coisa como artigo.
E portanto, é preciso fechar os olhos à americanização geral do que se escreve por cá e tratar como portuguesa a ficção científica escrita originariamente em português e em Portugal, mesmo que o autor não seja, ele próprio, português.
Mas será que, mesmo assim, tal coisa existe?
Se virmos bem as coisas, ou seja, se lermos com atenção os textos que têm sido apresentados como ficção científica ao longo da história da literatura portuguesa, verifica-se que muitos deles não tratam os temas da ficção científica nem utilizam as formas da ficção científica. Os nossos autores, mesmo aqueles que se auto-intitulam "de FC", resvalam com enorme frequência para terrenos mais típicos do fantástico, onde a magia impera e o irracional é rei.
Não fossem as excepções, podíamos também aqui riscar a ficção científica da literatura portuguesa e acabar já o artigo. Mas há as excepções. O que segue é uma pequena análise às excepções que fazem com que, de uma certa forma, se possa dizer que existe uma FC portuguesa.

AC — Antes da Caminho

Os anos AC da literatura portuguesa de ficção científica são quase terra incognita para quem está em actividade nos dias que correm. Quase se poderia dizer "daqui para trás só há dragões", tanta é a ausência de informação sobre a literatura de género que se terá escrito e publicado, e tão inseparavelmente ligada ao fantástico português estava a FC desses anos. Razões para isso há várias, mas o gueto para onde o género sempre foi atirado por uma fracção significativa do establishment literário não será certamente das menos importantes. É como diz Teresa Sousa de Almeida num dos poucos artigos, feitos por alguém ligado aos sectores literários das universidades, que se debruçam sobre o tema, publicado em 1998 na antologia Fronteiras, editada pela Simetria: "Em Portugal a FC vive uma situação clandestina", desabafa. "É completamente ignorada pela instituição literária nacional, pela escola e, salvo honrosas excepções, pela crítica. Tem sido relegada para edições de autor, colecções especializadas, fanzines de duração efémera e algumas antologias que fizeram história. Não há cruzamentos nem contaminações, se exceptuarmos uma ou outra incursão de um autor consagrado. Face a esse esquecimento, responde na mesma moeda".
Assim não surpreende que poucos sejam os marcos certos a delimitar o caminho percorrido pelo género ao longo do século passado. O primeiro desses marcos, é Lisboa Anno 2000, um texto futurista de Melo de Matos, mescla de artigo e conto, publicado na Illustração Portugueza em 1906. É preciso esperar-se até 1966, isto é, sessenta anos, pela chegada do segundo dos marcos fundamentais da FC portuguesa: a antologia Terrestres e Estranhos, volume inaugural da série Antologia da Galeria Panorama, organizado por Lima Rodrigues e por um grande senhor da FC mundial: Robert Silverberg. Natália Correia, Dórdio Guimarães, Fernando Saldanha, Lima Rodrigues, Hélia, Luís Campos e Manuela Montenegro são nomes que constam do índice, e alguns deles vão dinamizar a primeira tentativa feita em Portugal para criar um grupo suficientemente coeso de autores que permita formar uma espécie de movimento.
Esta época, em que se assistiu na política ao fim do salazarismo, à transição para a ligeira abertura de Marcelo Caetano e, por fim, ao 25 de Abril, é a primeira das épocas relativamente férteis em textos portugueses de FC. Muitos dos autores incluídos na Terrestres e Estranhos produziram mais dentro do género, e houve outros nomes importantes em acção na época, com destaque para Mário-Henrique Leiria, cujos contos de FC foram distribuídos por três colectâneas editadas entre 1973 e 1975 (Contos do Gin-Tonic, Novos Contos do Gin e Casos de Direito Galáctico), e para Romeu de Melo, cuja produção mais importante está contida na colectânea Não lhes Faremos a Vontade (1970) e nos dois volumes da antologia, por si organizada, Alguns dos Melhores Contos de Ficção Científica (sem data).
Mas depois, veio o PREC. E, em termos de FC, o deserto. Dir-se-ia que andava toda a gente mais preocupada com outras coisas.

Anos 80 — Um livrinho de vez em quando

É com um livrinho de vez em quando que vive a FC em Portugal desde que, em 1983, João Aniceto inaugurou com o seu primeiro romance a única fase na história da literatura portuguesa em que a FC feita originalmente em português teve um espaço de difusão mais ou menos amigável e respeitoso, na Editorial Caminho. Era o início dos anos DC. Enorme importância teve nisso o Prémio Caminho, que permitiu revelar novos autores de qualidade muito variável, portugueses e brasileiros, de FC ou nem tanto.
Ao princípio de modo incipiente, só com Aniceto a fazer exclusivamente FC, mas uma FC que já então estava irremediavelmente datada (relembre-se que os anos 80 foram a década em que lá fora surgiu o cyberpunk), ancorada em autores clássicos como Bradbury, Clarke e o soviético Ivan Efrémov, a Caminho publicou também durante os anos 80 livros de Daniel Tércio, Artur Portela, Isabel Cristina Pires e do brasileiro Bráulio Tavares. Nenhum destes autores se restringe ao âmbito da ficção científica e, uns mais do que outros, avançam resolutamente fantástico adentro fazendo por vezes da sua passagem pela FC, ou por uma colecção de FC, pouco mais do que um acaso.
Os livros de Tércio (A Vocação do Círculo) e de Bráulio Tavares (A Espinha Dorsal da Memória) podem considerar-se mistos, na medida em que misturam elementos FC e fantásticos. A Vocação do Círculo começa por parecer FC convencional, explorando mundos e linhas temporais alternativas, até que aparece a magia num destes universos. No livro do brasileiro, uma colectânea de contos, alguns contos há que se aproximam mais da FC, outros aproximam-se mais de outros registos.
Quanto a Artur Portela e a Isabel Cristina Pires, que nunca mais voltaram "ao género", os seus muitos e curtos contos são "fantástico-lusitano" em estado quase puro, com um conjunto de temáticas e abordagens que não se distingue em nada de obras geralmente postas do lado de fora do género, como a colectânea de José Saramago Objecto Quase, editada em 1984.
Fora da Caminho também surge por vezes FC portuguesa, ainda nos anos 80, com João de Mancelos a estrear-se na Vega com o pomposo Veleiros do Tempo Cósmico, e a servir como melhor exemplo das pouquíssimas edições então existentes fora da Caminho.
Isto em livros, que em fanzines e revistas vão aparecendo algumas coisas com maior ou menor interesse. Publicou-se FC, nos anos 80, nos jornais Barlavento, Diário Popular e Diário de Lisboa, no suplemento Jovem do Diário de Notícias, no LX Comics, nas Selecções Mistério, no XYZ Magazine, nos fanzines Célula Cinzenta e Nebulosa e na revista Omnia. É desta última, do DN Jovem e do fanzine brasileiro Somnium que vão surgir os nomes que vão mudar a FC portuguesa nos anos 90.

Anos 90 — Ascensão e queda

Os anos 90 começaram cheios de esperanças para a FC portuguesa. Luís Filipe Silva ganhava o Prémio Caminho e estreava-se em 1991 com O Futuro à Janela, colectânea de contos que embora tenha algumas falhas é inequívoca e maioritariamente FC, e bem mais actualizada em estilo e temas que obras anteriores. Em 93 sairiam nada menos que três romances de FC: as duas partes da Galxmente, também de Luís Filipe Silva, e Os Beduínos a Gasóleo, de João Botelho da Silva, livro que arrecadou o Prémio Caminho desse ano. No ano seguinte era a vez de surgir João Barreiros e o seu O Caçador de Brinquedos e Outras Histórias. Parecia estar-se a pavimentar o caminho para que aparecesse por fim em Portugal uma produção consistente de ficção científica, com uma qualidade que, sem ser ainda óptima, era pelo menos aceitável.

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Jorge Candeias escreveu:

 

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(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

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e escreveu a introdução e os contos:

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