Soldado no Espaço
por Robert A. Heinlein
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 10.11.2002
republicada em 17.08.2003
Soldado no Espaço é certamente o mais polémico dos livros de Heinlein, e também um dos que mais contribuiu para estabelecer-lhe uma reputação, seja ela qual for. É atacado e defendido por motivos políticos, é atacado e defendido (mais atacado que defendido) pelos seus méritos literários, enfim, está no centro da polémica desde 1959 (ano em que Starship Troopers viu pela primeira vez a luz do dia), facto que, em si mesmo, diz muito acerca do livro.
Embora estando bem longe da doutrinação neonazi patente no filme relativamente recente de Verhoeven, em Starship Troopers a defesa do militarismo e duma sociedade totalitária, meritocrática, enfim, chamando os bois pelos nomes, fascista, é bem evidente. Heinlein descreve um mundo em guerra com uma espécie de aranhas alienígenas de que ninguém sabe grande coisa, mas que, no entanto, todos consideram evidente que é preciso destruir. Não que tenham grandes opções: naquele mundo só depois de regressar vivo (mesmo que frequentemente amputado) do serviço militar é que alguém é considerado cidadão, passando então a fazer parte da reduzida oligarquia que possui direitos políticos. Como é habitual em muitos dos romances juvenis de Heinlein, aqui também há protagonistas jovens e idealistas que, através da Aventura (assim mesmo, com maiúscula), e com a ajuda de figuras paternais, acabam por tornar-se adultos. Aqui, porém, o jovem protagonista começa por ser pacifista, desinteressado da política, conformista, e vai encontrar nos sargentos e demais membros da hierarquia militar os paizinhos que o vão transformar não só numa máquina de matar ETs como num adulto para o qual o exército (ou melhor, a Infantaria Móvel) é a vida inteira.
Alguns dos defensores de Heinlein dizem que o livro é na realidade um ataque irónico à instituição militar, e talvez tenha sido isso que levou o romance ao Hugo, em 1960. Mas se é assim, o tiro sai completamente ao lado, porque a ironia se perde por completo. Eu não vi ironia nenhuma, vi 300 páginas de doutrinação política e militarista de extrema-direita. E nisso estou acompanhado por muitos outros leitores (só para dar um exemplo, Michael Moorcock, importante escritor e editor britânico, activo no género desde os anos 60, escreveu um artigo sobre este livro a que chamou Starship Stormtroopers, numa alusão clara às tropas de assalto nazis da II Guerra Mundial).
Para piorar as coisas, o livro é não só politicamente repugnante, mas também de uma monotonia a toda a prova e muito mal escrito. Sendo um romance sobre a guerra, a acção que se suporia dever haver é substituída ao longo da maior parte do livro por intermináveis sessões de doutrinamento. Os personagens falam até à exaustão, sem que, mesmo com tantas palavras que lhes são postas na boca, deixem de ser totalmente bidimensionais. Em vez de paisagens alienígenas, o leitor leva com as opiniões de Heinlein sobre a maneira ideal de construir unidades de combate. Em vez de interacções entre personagens, o leitor é obrigado a passar os olhos (que teimam em fechar-se) pelas opiniões de Heinlein sobre a moralidade da vida de caserna. Em vez de um romance, o leitor acaba por ler uma coisa híbrida entre um manual de combate, um livro de filosofia política e um artigo de opinião sobrealimentado.
Soldado no Espaço é um livro péssimo, a que nem a tradução consegue dar algum do interesse mórbido que põe os leitores à caça das asneiras do tradutor, semelhante ao interesse que há quem encontre naqueles desenhos que têm o Wally algures lá dentro: O Eurico da Fonseca já nesta época era fraco nas traduções que fazia, mas não tão mau como se tornou mais tarde.
Se o mundo fosse perfeito, as nossas editoras não reeditariam este livro. Mas claro que o mundo é imperfeito, e esta coisa será reeditada uma e outra vez, e será comprada repetidamente por incautos, atraídos pela fama do título e do autor. Mas agora, pelo menos, está este texto aqui na rede a avisar. Porque quem avisa, amigo é.
Bola preta.
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