R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Noite da Suástica

por Katharine Burdekin

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 28.12.2001

republicada em 16.07.2003

Katharine Burdekin foi uma escritora britânica, muito virada para a escrita feminista, que no género se dedicou principalmente à fantasia. Apesar disso, foi este o livro que lhe deu maior nome.
Noite da Suástica, Swastika Night no original, não é fantasia. Trata-se de uma história alternativa, passada 500 anos no futuro de um planeta onde a Alemanha (e o Japão) ganhou a guerra, e em que a ideologia nazi de exaltação das "virtudes viris" é levada às últimas consequências. No mundo descrito por Burdekin as mulheres não passam de animais destinados à reprodução, pelos quais os homens sentem uma indisfarçada repugnância. A homossexualidade (antes: a pedofilia) é norma, e os Cavaleiros Teutónicos (descendentes dos oficiais das SS) e demais Nazis são bons apreciadores de rapazinhos. Este aspecto sexual é uma das pedras de toque da história. A outra é a estrutura de classes da sociedade nazi do futuro.
Existem quatro classes de homens. A primeira é composta pelos Cavaleiros Teutónicos, misto de líderes espirituais (do culto a Hitler, elevado ao estatuto de deus) e laicos, ou seja, uma verdadeira aristocracia, com títulos hereditários. Depois vêm os Nazis, o que é o mesmo que dizer os alemães, que são povo na Alemanha e líderes nas nações subjugadas. Estas nações subjugadas constituem a terceira classe, embora haja algumas diferenças entre umas e outras: aparentemente, os Nazis têm um fraquinho especial por certas raças, como a dos ingleses. Por fim, no fundo da escala humana, num grau de degradação só suplantado pelo das mulheres, os alvos de todas as chacotas e indignidades, estão os Cristãos.
Os judeus, naturalmente, foram eliminados, tal como várias outras raças e nações. A história, claro, foi reescrita, e os seus personagens alterados para melhor corresponderem às conveniências. O Hitler divinizado, por exemplo, é um gigante arianamente louro que nunca teria tocado na impura carne de uma mulher.
Tudo isto é descrito por Burdekin de um modo que se torna terrivelmente verosímil, o que é tanto mais notável quando se sabe que o livro foi escrito em 1937, antes da Segunda Guerra, antes dos campos de concentração, antes de o nazismo se revelar ao mundo por inteiro. Mesmo tendo em conta que o livro foi revisto e talvez parcialmente reescrito em 85. A história conta o encontro de um inglês com ideias revolucionárias com o último cavaleiro da linhagem de von Hess (o histórico von Hess), ele próprio invulgar na medida em que é o único a conservar um registo incompleto da história verdadeira, iniciado por um dos seus antepassados e religiosamente conservado e acrescentado pela família. Esse encontro vai levar a uma análise profunda da aparentemente imutável sociedade hitleriana e do papel que nela exercem os vários actores sociais, o que é, no fundo, o objectivo principal do livro.
Não vou revelar mais nada, porque se o fizesse poderia estar a estragar o prazer da descoberta de quem for ler o livro. Digo apenas que o livro é decididamente bom, e é bem servido por uma tradução de qualidade de Paula Reis. São quatro estrelinhas dadas sem dúvida nenhuma, e por pouco não chega às cinco.

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Noite da Suástica

por Katharine Burdekin

Editorial Caminho

Colecção Caminho Ficção Científica nº 95

tradução de Paula Reis

1989

Jorge Candeias escreveu:

 

Sally

Edições Colibri

2002

(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

Desconhece-se o Paradeiro de José Saramago

O Telepata Experiente no Reino do Impensável

Jorge Candeias organizou:

O Planeta das Traseiras

e escreveu a introdução e os contos:

O Caso Subuel Mantil

No Vento Frio de Tharsis

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