Os Mundos Abertos de Robert Silverberg
por Marcello Simão Branco
uma crítica de Octávio Aragão
publicada em 26.06.2005
Movido pela confessa admiração pelo escritor norte-americano Robert Silverberg, o jornalista, crítico e editor Marcello Simão Branco desenvolveu uma extensa pesquisa onde classificou toda a ficção curta do autor já publicada em língua portuguesa. Esse pequeno livro de noventa e quatro páginas e tiragem de apenas cinqüenta exemplares foi publicado por César Silva como primeiro volume das Edições Hiperespaço.
O trabalho tem uma aparência séria, de texto acadêmico, com notas de pé de página bem colocadas, bibliografia clara e precisa, além de apêndices contendo tabelas detalhadas que estabelecem cronologicamente as obras e suas datas de publicação. Para os colecionadores completistas, trata-se de um excelente auxílio.
A ilustração de capa pode nos fazer crer que os romances de Silverberg também estariam incluídos, por apresentar um "padrão" composto por capas dos livros publicados no Brasil e em Portugal como A Torre de Vidro, Os Correios do Tempo, As Crônicas de Majipoor, Espinhos, Tempo de Mudança, etc.... Porém, nenhum deles é resenhado em profundidade no texto interno, com possível exceção de Uma Pequena Morte, que merece mais de uma página. Uma boa análise, por sinal, mas a capa acaba sendo meramente ilustrativa, o que nesse caso é um engano que pode decepcionar leitores. Estamos falando aqui de impacto inicial. A capa é a apresentação principal, a porta de entrada do produto. A contra-capa está atrás, com um texto que, apesar de esclarecedor, é muito pequeno.
Como grande ponto positivo está o fato do autor conhecer muito bem a obra que se propõe a analisar e não ter pena de ser crítico quando acha necessário, apresentando pontos que considera fracos no tocante à criatividade do objeto de estudo e até mesmo à carpintaria do ofício de escrever. Ou seja, quando Silverberg escorrega, Marcello Simão Branco aparece como um juiz de futebol e apita. Muito bom perceber que, ao contrário do que aponta o texto introdutório, o lado "fã", que tende a desculpar as eventuais derrapadas do ídolo, não foi o predominante.
Mas, há que se apontar alguns possíveis deslizes:
Como é possível analisar a fundo o trabalho de um autor se o crítico não conta o final da história para não estragar a surpresa do leitor? Imagine algum texto estudando Dom Casmurro e se limitando a não contar o final da história. Talvez em um conto ou outro não incomodasse tanto, mas em todos, acaba comprometendo a profundidade da análise. Assim, o trabalho de Marcello Simão Branco, do meio para o fim, acaba se resumindo a uma enorme resenha de títulos, onde nenhum é desenvolvido a ponto de esmiuçar as intenções inerentes de Silverberg. Todo o ethos dos contos — que poderiam ser analisados de maneira aprofundada — é perdido porque o crítico não quer contar o final das histórias. O público-alvo desse livro poderia muito bem sair enriquecido em termos filosóficos ao final da leitura. Infelizmente isso não ocorre.
Em termos práticos, levando-se em consideração a natureza do tema, o texto funcionaria muito melhor se fosse disponibilizado em um site na Internet. Ficaria mais apresentável que na presente publicação baseada em fotocópias. Um texto que pretende ombrear com o que de melhor se produz em termos de pesquisa do gênero no Brasil, não deve se dar ao luxo de fechar as portas para uma audiência potencialmente muito maior.
Por último, mas não menos importante, faltou embasamento teórico na área de comunicação, semiologia e literatura. Como um texto de pesquisa sobre um produto ligado à FC literária não lança mão de teóricos como Mikhail Bakhtin ou Arnold Hauser? O livro, apesar do que diz a introdução, é obra de um pesquisador. E é como tal que merece ser lido e julgado. Fosse um trabalho de fã, não teria o peso crítico que transparece nas entrelinhas.
Marcello Simão Branco pode acreditar — e talvez se refugiar — na idéia que escreveu uma "obra de fã", mas o texto, o escopo da pesquisa, se propõe a mais que isso, e o texto de contra-capa confirma a suspeita. Para tanto, como se trata de um objeto de estudo literário, há a necessidade de um embasamento teórico... literário.
Para a obra ficar irretocável, que se juntasse o vasto conhecimento com o embasamento. Não custaria muito, pois arrisco dizer que o mais difícil está lá: trata-se de um trabalho agradável de ler, com texto fluído que, mais importante, desperta o interesse pela obra de Robert Silverberg.
Gostou deste texto? Ajude-nos a oferecer-lhe mais!
|