Cosm
por Gregory Benford
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 14.10.2001
republicada em 07.07.2003
A minha última leitura foi Cosm, do físico Gregory Benford, original de 1998 (com o título de Cosm), editado em Portugal dois anos mais tarde pela Europa-América, com tradução de Ana Isabel Baía de Matos.
Trata-se de um romance de ficção científica daqueles bem hard, tão hard que até inclui uma meia dúzia de esquemas e gráficos para ajudar à compreensão da física envolvida. A história nem é propriamente nova: físicos em laboratório criam uma coisa estranha que se vem a verificar tratar-se de uma janela para fora do nosso Universo. Mas é retomada por Benford usando as últimas evoluções e teorias da física de partículas, o que moderniza o enredo básico e o torna credível para os dias de hoje, enchendo em simultâneo o texto com aquelas palavras vagamente poéticas com que os físicos baptizam as suas criações: matéria estranha, túnel quântico, galáxias, etc... Em resumo, a história é credível pelo menos nesta região específica do espaço-tempo que habitamos, porque não há literatura que envelheça mais depressa que a FC hard.
Talvez para tentar atenuar esse fenómeno, a história, que é basicamente a história da descoberta do que é, afinal de contas, o Cosm, ramifica-se para outras áreas. Benford resolve descrever com minúcia, sentido crítico e preocupações quase sociológicas a realidade do ambiente universitário e científico que conhece bem por ser o ambiente em que se move profissionalmente. Além disso, ainda acrescenta à história uma outra camada, ao colocar o protagonismo principal na pele de uma mulher negra num meio predominantemente masculino e onde o racismo espreita por baixo de uma camada fina de verniz cosmopolita.
Com toda esta complexidade, o livro torna-se interessante mas algo maçudo. É fácil que quem está interessado na história principal se aborreça com as histórias acessórias que enchem mais de um terço do volume de 320 páginas. Especialmente se o leitor é português e não está grandemente interessado nos problemas do sexismo e racismo no meio académico norte-americano.
E então se o leitor estiver mais interessado no impacto social da descoberta? É tema que também encontra tratado no romance com alguma extensão, mas de forma insatisfatória, muito pela rama, sem profundidade.
O livro peca, portanto, por se dirigir em demasiadas direcções em simultâneo. Benford tentou meter um universo demasiado complexo no espaço de que dispunha e não se saiu inteiramente bem. Mas mesmo assim é leitura que vale a pena.
Quanto à tradução, depois de um início titubeante mas, a espaços, prometedor, acaba por revelar-se fraca. O inglês subjacente é demasiado visível ao longo de todo o livro, de tal forma que o texto aparece um pouco estranho.
Tudo somado, é certamente livro a ler, especialmente se não houver grandes restrições no orçamento para livros de FC. Sim, que a colecção Nebula não é propriamente barata...
À filme, a classificação é três bolinhas.
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