Os Caminhos Nunca Acabam
por João Aniceto
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 10.02.2002
republicada em 30.06.2003
Para quem não sabe, Os Caminhos Nunca Acabam foi o primeiro livro do João Aniceto, escritor que viria a publicar outros 4. Foi também o primeiro vencedor do Prémio Caminho. Foi ainda o primeiro livro de FC português a ser publicado nas colecções de FC da Caminho. É, por tudo isto, um livro histórico, um livro que abriu portas muito importantes para a FC portuguesa (que aparentemente se fecharam no fim dos anos 90), ou seja, um livro importante.
Os Caminhos Nunca Acabam é, pois, um dos tais livros que basta existirem para deverem ser lidos, independentemente do seu valor intrínseco. Além disso, foi um livro que fez algum sucesso na altura em que foi lançado, o que pode fazer pensar que se trata de um livro bom.
Só que não o é. Trata-se de um romance com grandes falhas a nível de português (em parte compreensíveis numa primeira obra), com uma estrutura fraca, com diálogos frequentemente pueris, repassado de uma espécie de marxismo ingénuo ou humanismo pateta. Trata-se de um livro repleto de "as you know, Bob", explicações fora de contexto, infodumps. Enfim, um romance muito frágil, onde se notam as fontes de forma cristalina: o tema da viagem e alguns outros pormenores são pura Nebulosa de Andrómeda; a opção por um certo lirismo no texto é Bradbury de segunda ou terceira categoria; os psicólogos como líderes semi-deificados é psico-história asimoviana em estado puro, tal como é asimoviana a opção pelas citações de uma Enciclopédia que não é Galáctica só por ser Geral.
O livro conta a história da viagem do cruzador Demócrito a Alpha Lyrae, o que é o mesmo que dizer a Vega (a mesma estrela tem um papel importante n'A Nebulosa de Andrómeda, de Ivan Efrémov), e depois a Epsilon Lyrae, numa viagem que, claro, é feita através do hiperspaço, mais depressa que a luz. Mas o cruzador não parte antes da página 100 (o livro tem pouco mais de 200)! Até aí, temos intermináveis páginas de considerações sobre a psicologia e os antecedentes dos tripulantes, de divagações sobre este ou aquele assunto, com relevância por vezes marginal para a história, de conflitozinhos pequeninos entre Fulano e Beltrano, de descrições de uma sociedade construída de forma utópica mas em que a brutalidade verbal é uma constante.
Tudo tão fraquinho que não dá para perceber como foi possível que este livro tivesse ganho o mais importante prémio da FC portuguesa.
Mas o segredo para o sucesso do livro, a razão para a vitória no Prémio Caminho (e recorde-se que se sobrepôs a A Vocação do Círculo, de Daniel Tércio), está nas últimas 70 páginas. Aí aparecem especulações interessantes sobre os planetas de Epsilon Lyrae, aí aparece mistério, aí aparece história, aí torna-se mais evidente o sentido de maravilha que percorre todo o livro. É claro desde o início que Aniceto acha tudo aquilo, todo o futuro que imagina, maravilhoso, e consegue, a (largos) espaços, transmitir esse sentido do maravilhoso ao leitor. Mas é só no fim que este sentimento se torna preponderante. Só nas últimas páginas se entende o que cativou o júri e os leitores da época.
Os Caminhos Nunca Acabam poderia ter sido uma boa novela ou noveleta. Mas acabou por ser um mau romance, que ficou na história da FC portuguesa acima de tudo pelo seu pioneirismo. Por isso deve ser lido. Mas só por isso.
Leva um par de bolas cinematográficas, e vai com sorte.
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