Arcontes
por Gabriel Bozano
uma crítica de Jorge Candeias
publicada em 22.11.2003
A editora Writers foi um projecto de print on demand que fracassou, uma editora que se propunha utilizar a internet e as novas tecnologias de edição digital para conquistar mercado, mas que não deixou boas memórias nos autores de FC&F brasileiros, circulando pelo meio acusações de falta de honestidade financeira e de que dívidas ficaram por saldar. As acusações parecem ser verdadeiras, pelo menos ajuizando pela unanimidade das queixas, mas, sejam-no ou não, o que é facto é que o que fica para a posteridade são os livros que foram editados. A esse nível, e muito embora tenham sido vendidos pouquíssimos exemplares de cada um, a Writers acabou por abrir portas a alguns autores que, de outra forma, muito provavelmente, permaneceriam ainda hoje inéditos em livro. É esse o caso deste pequeno livro e de Gabriel Bozano.
Arcontes conta a história complexa de um homem que se vê envolvido sem saber bem como numa guerra antiga, que se estende por vários universos paralelos, lidando também com longevidade extrema e viagens no tempo, assassínios em série, psicopatas e medalhões poderosos. Com tudo isto empacotado em apenas 104 páginas, é fácil depreender que se trata de uma história de aventuras, que vai buscar influências tanto à FC como ao policial ou a um terror algo lovecraftiano, passando pela boa e velha fantasia de aventuras à Indiana Jones.
Toda a complexidade desta história, todo o manancial de ideias que contém, mostra que o autor tem potencial. E, mais do que mostrar o potencial do autor, Arcontes demonstra também que Bozano está sintonizado com um certo caldo de cultura no Brasil contemporâneo que leva os escritores a integrar nas suas obras uma grande teia de influências e temáticas muito diversas, produzindo resultados que se assemelham bastante uns aos outros. Que quer isto dizer?
Uma comparação de Arcontes com muitas das histórias do universo da Intempol encontra grande número de pontos comuns, muito embora não tenha havido, que eu saiba, qualquer contacto prévio de Bozano com a Intempol ou dos autores envolvidos no projecto de Octávio Aragão com o livro Arcontes. Há um certo clima geral de misticismo subjacente, com arquétipos poderosos a manobrar na sombra as pequenas vidas de seres humanos vulgares, viajando à vontade, ou quase, por universos paralelos e pelos caminhos paradoxais do tempo, e uma certa forma gingona de misturar enredos policiais com temas típicos de outros géneros.
Coincidência? Talvez, mas não me parece. Antes, julgo que se trata mesmo de algum substrato cultural das elites urbanas do Brasil da viragem do milénio. E, se assim for, conseguir sondar esse caldo de cultura e extrair dele material trabalhável é demonstração de sintonia com a sua geração, e isso é das qualidades mais intangíveis mas mais importantes que um artista deve ter.
Mas há um lado negativo. Gabriel Bozano publicou este livro cedo demais. Arcontes não mostra apenas um escritor com potencial, mas também um escritor ainda imaturo, que ainda não aprendeu a disciplinar uma narrativa que parece por vezes fugir-lhe por completo ao controlo, e que tem algumas lacunas relevantes no domínio da língua portuguesa, muito em especial no que diz respeito à pontuação. Para piorar as coisas, a editora parece não ter submetido este livro a qualquer tipo de revisão de texto, vista a quantidade de gralhas que nele se podem encontrar.
Arcontes não é, portanto, um bom livro. Mostrar potencial não chega — é preciso algo mais. E embora Bozano tenha demonstrado que pode vir um dia a dar esse algo, o seu livro de estreia sai das mandíbulas trituradoras do E-nigma com apenas duas estrelas.
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