O desenvolvimento da ficção científica e da fantasia na Bulgária
por Khristo D. Poshtakov
tradução do espanhol de Jorge Candeias
artigo publicado em 13.05.2005

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Os fãs do género na Rússia e na Bulgária tinham também começado a traduzir livros que atravessavam a "cortina de ferro", e esses manuscritos eram depois copiados de forma primitiva e distribuídos de mão em mão. Nos anos 70, o regime comunista continuou a liberalizar-se (independentemente da rebelião anticomunista de 1968 na Checoslováquia) e em 1979 apareceu na Bulgária a primeira editora dedicada apenas à ficção científica estrangeira, a Galáctica. Iniciou-se a edição mensal de livros de escritores originários de França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Japão e Estados Unidos e, claro, de todos os países satélites do bloco soviético. Com excepção de Jorge Luis Borges, os escritores da América Latina e de Espanha mantiveram-se desconhecidos e o autor deste artigo pode dizer que ainda hoje acontece o mesmo. É uma pena que uma parte dos escritores deste mundo permaneça desconhecida para o leitor búlgaro. Nos anos mencionados acima tinha-se estabelecido a regra: "podes ler o que te deixem ler, mas não podes escrever da mesma maneira". O modo de escrever continuava a obedecer às restrições do modelo soviético.
A partir de 1970, as revistas búlgaras "Cosmos" e "Ciência e Técnica" começaram a publicar mensalmente contos de FC de vários países, e o mesmo se passou com o semanário técnico "Órbita". Em 1973 começaram a formar-se clandestinamente, nas maiores cidades do país, grupos de fãs do género e em 1976 os agentes da segurança do estado viram nestas reuniões uma ameaça da imaginação ao sistema estabelecido, mas em vez de exercer represálias decidiram canalizar o movimento através do Comité Central dos Jovens Comunistas, o COMSOMOL. No mesmo ano estabeleceu-se em Sófia o primeiro clube de ficção científica, onde os fãs se reuniam sob a vigilância de um ou mais agentes secretos da segurança do estado, e era dessa forma que o dito serviço obtinha a informação de que necessitava — de que se fala e que tipo de informações se obtém nas reuniões. Em 1980, o jornal "Órbita" iniciou um concurso anual de âmbito nacional para contos de FC. Os seis prémios que eram atribuídos eram decididos por um júri fixo, e mais tarde o mesmo júri começou a decidir qual dos jovens escritores teria a oportunidade de editar um livro, mesmo que esse autor não fosse membro da União dos Escritores. Os jovens escritores começaram a tentar relacionar-se pessoalmente com os membros do júri e alguns conseguiram assim editar o seu primeiro livro, o que não era fácil. Não quero citar os nomes dos membros do dito júri, mas posso dizer que eles queriam conservar a fama e a edição de livros apenas para si próprios, visto que também eram escritores de ficção científica e membros da União dos Escritores, e não gostavam de abrir caminho aos jovens. Apesar de tudo, esse foi um passo em frente, porque alguns dos jovens escritores foram capazes de atravessar as barreiras que os tolhiam e tiveram os seus livros editados. Deste período podem destacar-se os livros de Agop Melconian, Petar Kardjilov e Liubomir Nicolov. Também são dignos de nota os contos de Alexander Karapanchev, autor que conseguiu editar um livro em 2004.
Graças a Deus, o autor deste artigo só começou a escrever contos de ficção científica em 1986 e assim lhe foram poupadas muitas humilhações, ainda que um ano mais tarde o seu primeiro livro tenha ficado retido numa editora governamental durante três anos para acabar por não ser editado por não cumprir os requisitos ideológicos daqueles tempos, que já estavam totalmente desgastados mas continuavam a aplicar-se devido a uma inércia inexplicável. O que o autor destas linhas alcançou foi a publicação de 6 dos seus contos e um prémio nacional que recebeu por milagre.
Entre 1982 e 1990, por intermédio do Comité Central do COMSOMOL, também se criaram revistas dedicadas exclusivamente ao género, como a "FEP" (Fantástica heurística e prognóstica), a "Fantástica" e a "Fantastichni Istorii" (Histórias fantásticas), e iniciou-se a publicação massiva de contos de FC em várias outras revistas e jornais. O destacado bibliógrafo da ficção científica búlgara Ivailo Runev dirigia-se à biblioteca central de Sófia depois do seu trabalho diário (ele era químico) para descobrir materiais relacionados com o género e, até à sua morte, descobriu 482 nomes de escritores búlgaros de ficção científica, fantasia e terror. É uma pena que depois da sua morte a maior parte do material por ele recolhido se tenha perdido. O que ficou foi usado pelo bibliógrafo e escritor russo Evgueni Haritonov que, com a ajuda do autor deste artigo e mais três ou quatro pessoas, completou uma bibliografia da ficção científica, fantasia e terror búlgaras para o período entre 1899 e 2003, que foi editada em russo, na Bulgária, pela editora Argus. Durante a preparação dessa bibliografia tomou-se a decisão de publicar apenas os nomes dos escritores com mais do que um conto publicado nas revistas ou numa antologia, ou pelo menos um livro, sem contar com aquilo que era publicado nos jornais, pois para nós e para E. Haritonov era impossível repetir o gigantesco trabalho de Ivailo Runev. Dessa forma, o número de escritores búlgaros de FC, fantasia e terror no período 1899-2003 baixou para 176.
O terceiro período começa nos anos de 1989-1990, depois da queda do comunismo na Bulgária, e prossegue até hoje. Caracteriza-se pela criação de novas uniões de escritores e pela completa perda de importância da velha e apodrecida instituição, que ainda existe, onde hoje se reúnem uns tipos velhos para discutir como se editavam os seus livros com tiragens de 50 000 exemplares. E não importa que depois fossem retirados das livrarias para matéria-prima ou fossem deitados ao lixo porque ninguém os comprava. O importante é que o governo de então pagava, e pagava bem, como se paga aos servos fiéis.
Neste período apareceram muitas editoras privadas e, de início, 15 delas começaram a editar obras de ficção científica, fantasia e terror. Nessa época, o leitor fiel ao género sentia-se feliz porque apareciam nas livrarias mais de 30 livros novos todos os meses. As livrarias russas quase desapareceram, resistindo não mais de cinco na cidade de Sófia. Já não era obrigatório conhecer e estudar a língua russa, e a nova geração começou a aprender inglês por sua própria iniciativa. Criaram-se clubes de fantasia e terror, e os livros destes géneros estão agora muito em voga na Bulgária. E se na Bulgária se editavam 20-30 livros de FC por mês, na Rússia começaram a editar-se mais de cem. A concorrência entre as editoras privadas tornou-se muito forte, e em 1995 o mercado de livros dedicados ao género já estava saturado, começando as tiragens a baixar. Para dar um exemplo, a edição dos livros de Stephen King começou por ter tiragens de 20 000 e baixou até 1500.
Nos anos de 1995 e 1996, aconteceu na Bulgária uma crise económica forte, com o governo "socialista" a ter como objectivo o roubo das poupanças da população búlgara. Os salários baixaram até aos 20 dólares por mês e as pensões até aos 5. Causou-se uma inflação muito forte e, como a economia búlgara estava ligada à antiga economia soviética e não se conseguiu encontrar novos mercados para escoar a produção da indústria búlgara, esta ficou numa situação de desastre total. Quase um milhão de jovens búlgaros emigraram para os Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Inglaterra, em busca de melhores condições de vida. E estes jovens representavam a flor da intelectualidade juvenil, e eram os principais leitores de FC, fantasia e terror. Mais de metade da população búlgara começou a viver na miséria e a tarefa principal de cada pessoa era tentar encontrar comida para a sua família. Neste período muito poucas pessoas pensavam em comprar livros.
Em 1996, o governo dos ex-comunistas, convertidos em socialistas, caiu devido aos distúrbios causados pelo povo, depois houve um período de governo provisório e em 1997 tiveram lugar novas eleições. Chegou ao poder um governo democrático que acabou com a inflação e começou a estabilizar, pouco a pouco, a vida económica. Mas com a crise económica que o país sofreu, todas as revistas de FC e mais de metade das editoras dedicadas ao género faliram. Devido à forte concorrência da literatura norte-americana que se editava preferencialmente desde 1990, a ficção científica búlgara começou a sofrer perdas graves. O leitor jovem já estava muito acostumado aos autores dos Estados Unidos e o autor búlgaro tinha de lutar para melhorar muito a qualidade das suas obras, pois era já com as vendas dos livros no mercado que se determinava o estatuto dos escritores. Resistiram apenas três editoras, que defendiam heroicamente a ficção científica búlgara: a Quasar, que quase faliu em 2004 (editou 8 livros), a Elf (editou 18 livros) e a Argus que ainda existe e editou durante este período 23 livros de escritores búlgaros.
Também houve edição de FC e fantasia búlgara por outras editoras, mas o sistema era: "pagas pela edição do teu livro e depois tratas de vendê-lo". Dessa forma editaram-se livros de má qualidade. Nos anos de 1996 e 1997 começou a sair a revista de FC, fantasia e terror "Varkolak" (Fantasma), a qual mudou de nome para "Zona-F" e continuou a existir até 2003. Em 1998 apareceu a revista "Fantazy factor", que sobreviveu até 2001. Actualmente, a única revista dedicada ao género que se edita na Bulgária chama-se "Terra fantástica" e edita-se com uma periodicidade indeterminada — de 3 a 6 meses. Existem também mais de 10 jornais onde se publicam contos de FC e fantasia e 5 revistas de orientação técnica onde acontece o mesmo.
Parece um pouco ridículo que o autor deste artigo, que já tem uma certa idade, se considere parte da terceira geração dos escritores jovens porque o seu primeiro livro saiu em 1994. Mas até agora conseguiu publicar outros 6 livros e cerca de 140 contos na imprensa búlgara, inclusivamente na província.
Os escritores do terceiro período caracterizam-se pela falta de restrições na sua maneira de escrever, e entre eles podem ser destacados os seguintes:
Yancho Cholacov, que tem uma fantasia magnífica, inventa novas palavras e é quase impossível de traduzir (dois livros); a jovem Yuliana Manova, muito ligada ao terror e com um grande potencial (um livro); Ivailo Ivanov, que se dedica à FC histórica (2 livros); Nicolai Tellalov, que se dedica a uma ficção científica nacionalista e patriótica (3 livros); Elena Pavlova, que tem personagens muito boas (um livro de FC e 4 de fantasia), Plamen Mitrev, que escreve fantasia heróica sob pseudónimos (14 livros) e Nina Nenova que escreve FC dedicada a contactos com outras civilizações (6 livros). Plamen Mitrev, Nina Nenova e o autor deste artigo têm ou terão livros editados na Rússia. O último tem um contrato para a edição de um livro seu em Espanha e está editado em França. O autor deste artigo escreve obras de ficção científica, fantasia e horror humorístico, e os seus contos foram traduzidos para russo, inglês, espanhol, francês, húngaro e romeno.

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